segunda-feira, agosto 28, 2006


Este é um blog especial, pois não conheço outro blog em língua portuguesa dedicado a temáticas de Fisioterapia e, em especial, aos métodos de Reeducação Postural. Um texto, a publicar em determinada revista, escrito por mim é agora reproduzido, de modo a que a temática possa ser cabalmente explicada:

O mundo contemporâneo, e as pressões ocupacionais que o mesmo acarreta, é destro na criação de problemas de dores articulares generalizadas, em particular as dores da coluna ou raquialgias. Tanto factores psicossociais como uma miríade de factores de índole física e morfológica implicam, num complexo ciclo de inter-relação e influência, o aparecimento mais ou menos incisivo de dores de coluna, as quais são geralmente de origem inespecífica e de natureza cada vez mais precoce.
O tratamento dos diversos problemas articulares, sejam de natureza inflamatória (ex. tendinites, bursites, miosites, artrites, neuropatia) ou degenerativa (ex. artroses), leva a que as pessoas, numa altura em que deixam de saber lidar sozinhas com as suas maleitas, a procurar ajuda com um profissional de saúde. As opções de consulta e terapia apresentam-se, no momento da escolha do profissional, como muito e cada vez mais variadas, variando entre a opção ortodoxa constituída pelas consultas médicas generalistas e/ou especializadas e a realização de fisioterapia convencional e a consulta e tratamento com recorrência ao uso das terapias menos convencionais.
É fundamentalmente por razões de carácter político e financeiro que a fisioterapia convencional não dá muitas vezes resultado no momento do tratamento das perturbações músculo-esqueléticas da coluna. Os contribuintes do Serviço Nacional de Saúde, por constituírem “pobres pagantes”, acabam por “ter direito” unicamente às opções terapêuticas mais simples e menos especializadas, como os calores e as massagens. Por outro lado, um contribuinte mais abastado acabará por ter direito à realização de manipulações mais específicas, técnicas de tratamento da dor e disfunção mecânica mais especializadas e exercícios mais personalizados, num clima de acção clínica mais centrada no doente física e psicologicamente afectado, sempre numa filosofia de intervenção holística. Aqui, começo por dizer que não há, na realidade, grandes diferenças entre a fisioterapia mais especializada (que é, no fundo, a verdadeira fisioterapia, desconhecida e inacessível a tantos doentes) e as terapias menos convencionais. Tanto a fisioterapia, como a osteopatia e a quiroprática agem por meio de métodos muito semelhantes, por vezes com filosofias diferentes mas comparáveis na “ciência parcimoniosa” do método. Neste ponto, todas estas terapias arrogam a filosofia do holismo, pelo facto de se centrarem nos diversos factores bio-psico-sociais que atravessam a vida do doente. Mas na realidade, essas mesmas terapias não conseguiram ainda ultrapassar certas limitações de tratamento das perturbações, estando mais centradas nos sintomas dos doentes do que na causa desses mesmos sintomas. Sendo assim, o pretenso holismo que vendem não passa de mera ilusão ou barganha financeira.
Um método verdadeiramente holístico tem de ir da consequência sintomática expressada por determinado diagnóstico à perturbação postural geral que causou ou contribuiu para tal sintoma de disfunção. Ou seja, mais do que tratar a disfunção propriamente dita e os sintomas que a mesma expressa, o profissional de saúde verdadeiramente integral e coeso tem de pensar para além dessa disfunção, perguntando-se qual a causa postural da mesma. Por exemplo, uma artrose do joelho está relacionada com determinado alinhamento da articulação, sendo que o mesmo está relacionado com o alinhamento da anca e da coluna ou então, descendo no corpo, com o posicionamento e sensibilidade do pé. Outro exemplo: uma hérnia discal pode ser tratada com manipulações vertebrais que permitam deslocar os discos intervertebrais para uma posição mais fisiológica. Mas deve ser permitido ao profissional observar a postura do doente de modo a perceber que jogo de tensões musculares está presente a nível da coluna e resto do corpo. Se existir uma grande lordose lombar (inclinação anterior da coluna), como é tão vulgar nestes casos, isso significa que está presente um grande encurtamento da musculatura extensora e posterior da coluna, assim como um encurtamento defensivo da musculatura anterior da mesma. O somatório destas tensões leva a que os discos sejam sujeitos a grande pressão contribuindo para causar as hérnias discais ou facilitar o seu aparecimento e sua recorrência em termos sintomáticos. Após se ter em conta a questão das tensões musculares da coluna lombar, é preciso atender ao alinhamento postural do resto da coluna, e também da bacia e dos membros. Todo o corpo pode estar implicado de alguma forma na hérnia discal em questão. Difícil é perceber o que é a causa e o que é a consequência, pois tudo no corpo se gere por um equilíbrio global difícil de destrinçar.
O equilíbrio global a que nos referimos anteriormente é devido fundamentalmente às estruturas musculares corporais. Não falo de músculos isolados, mas sim de cadeias musculares, grupos de sinergias de músculos profundos, os quais preenchem mais de dois terços do aparelho muscular do corpo. Estes grupos musculares globais são compostos por músculos de contracção permanente e fundamentalmente estática, sendo os mesmos grandemente responsáveis pela orientação e atitude postural dos diferentes segmentos do corpo; os músculos agem como tirantes mecânicos dando a forma ao corpo através do equilíbrio que estabelecem entre si, sendo que há uns músculos que, por serem posturais, anti-gravíticos e de contracção permanente, vencem outros músculos mais fracos, os quais são provavelmente músculos mais envolvidos em funções dinâmicas e não posturais.
A postura depende fundamentalmente deste jogo de tensões musculares. E é muito mais do que algo inerente às curvaturas vertebrais. Diz respeito à totalidade do corpo, apesar de que os métodos de reeducação da postura serem comummente mais utilizados no tratamento das perturbações da coluna vertebral.
Sendo assim, os métodos de reeducação postural constituem os únicos que são verdadeiramente holísticos, os únicos que chegam verdadeiramente às causas dos sintomas. São métodos de fisioterapia especializada que somente o profissional com formação específica conhecerá e que unicamente o profissional com experiência relevante saberá utilizar com sabedoria.
Não são métodos centrados na força muscular, ao contrário daquilo em que consiste o método Pilates. Este método pode ser bem efectivo para construir um corpo mais sólido de dentro para fora, centrado na força dos abdominais profundos, mas, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não é um verdadeiro método de reeducação postural. Afirmo isto tanto como fisioterapeuta como instrutor de Pilates que sou.
Os métodos de reeducação postural estão centrados sobretudo na flexibilidade, no estiramento ou alongamento dos grupos musculares profundos que referimos anteriormente. Partem de um alongamento coerente, global e progressivo das cadeias de músculos da estática, utilizando posturas específicas mantidas a frio por longos períodos de tempo. A gravidade é necessária à efectuação desse alongamento global, pelo que a natação, a hidroginástica ou qualquer outro método de treino hídrico é ineficaz no tratamento a longo prazo dos problemas da coluna e da postura em geral.
Não estão, como já dissemos, centrados na realização de treino de força. Aliás, o problema da maioria das atitudes posturais centra-se precisamente no excesso de força de determinadas cadeias musculares. Como tal, por exemplo, os músculos da coluna não devem ser fortalecidos, mas antes alongados. O alongamento da musculatura vertebral compreende o único meio de treino funcional destes músculos.
Apesar de alguns métodos antigos e milenares (como o Yoga) terem compreendido, de forma intuitiva, alguns dos princípios subjacentes aos métodos de reeducação postural, um entendimento minimamente científico e teorético do que foi anteriormente aludido só surgiu por volta dos anos 40, com a fisioterapeuta francesa Françoise Mézières. O método Mézières dava especial primazia à cadeia muscular posterior (um conjunto sinérgico de músculos rígidos, hipertónicos e demasiadamente fortes que se estende por trás, da cabeça aos pés), culpando as lordoses, ou seja, os encurtamentos da dita cadeia, das alterações posturais existentes. A partir deste método surgiu a Anti-ginástica de Thérèse Bertherat (mais centrada no grupo), a famosa Reeducação Postural Global e o Stretching Global Activo de Philippe Souchard e o menos comercial mas ainda mais completo método das Cadeias Musculares de Leopold Busquet.
Um bom método de correcção postural, realizado em grupo, deve incluir muito do que os anteriores métodos incluem, para além também das técnicas de relaxamento, do treino de equilíbrio e da sensação corporal (por meio da utilização do máximo de equipamentos, como bolas, esponjas e rolos, que permitam o treino da propriocepção).
É pena que a maioria das ginásticas Pilates, de correcção postural, e outras da moda, não incluam muitos destes princípios e práticas. Uma boa “ginástica postural”, realizada em grupo, pode constituir uma boa opção de reeducação postural e prevenção/tratamento de problemas da coluna. Mas para isso acontecer no seu máximo expoente, o ideal é que essa mesma “ginástica” inclua o resultado coerente de um trabalho ecléctico, envolvente dos princípios e métodos tratados no texto. O terapeuta ou professor deve ser o mais especializado e formado que for possível. E deve compreender que o corpo possui uma personalidade complexa, mas cheia de possíveis e potenciais caminhos para a resolução dos seus conflitos.