sábado, março 31, 2007

A propósito da fisioterapia no Brasil

Nunca estive no Brasil. Como tal, tudo o que possa dizer sobre a fisioterapia no Brasil é pouco mais do que mera conjectura. Mas vem este texto a propósito da grande quantidade de formações na área da “Reeducação Postural” que se realizam e têm realizado, talvez com um certo marketing diabólico, nesse país sul-americano. Efectivamente, no Brasil, as formações de fisioterapia são inúmeras, e a motivação para a formação e a informação acerca da Fisioterapia é extremamente diversa. E é bom sublinhar que vale realmente a pena ver como a fisioterapia tanto evoluiu no Brasil. Inclusivamente, o facto de tudo ser considerado “Fisioterapia”, como a osteopatia e outras medicinas físicas não convencionais (tudo isto é visto no Brasil como “ramos” ou “especialidades” da fisioterapia), considero-o o “ideal” em termos metodológicos... O estatuto do fisioterapeuta e a autonomia do seu trabalho parecem-me anos luz mais evoluídos no Brasil do que aqui em Portugal. A Fisioterapia é vista como uma “matéria” universitária, digna de boa investigação. Isto, claro, no Brasil, talvez mais do que em muitos países europeus. Aqui em Portugal ainda vivemos na “idade da fogo”, na idade em que ainda estamos a tentar compreender como manter o “fogo” aceso sem que se apague. Não sei realmente muito acerca das saídas e oportunidades profissionais dos fisioterapeutas brasileiros, mas, pelo pouco que me tem sido dado a ver, parecem-me mais do que aquelas que temos em Portugal. Acabaria este texto dizendo a todos aqueles fisioterapeutas brasileiros que pensam vir trabalhar para Portugal (sei que não são poucos), desenganem-se acerca das nossas “oportunidades”. As coisas por aqui estão a ficar bem “negras”. E, com o pouco reconhecimento e a limitada esperteza dos nossos fisioterapeutas, não sei muito bem onde se vão colocar os novos dois ou três mil fisioterapeutas que se vão formar até 2010...

terça-feira, março 13, 2007

Reconstrução Postural: resultados (exemplo)




A Reconstrução Postural

O método da Reconstrução Postural constitui não só uma fonte de renovação metodológica relativamente a Mézières, mas também o resultado de um trabalho exploratório e casuístico muito significativo, o que só pode ser explicado pelo facto de o método ter sido desenvolvido num contexto académico, nomeadamente no contexto de formação base e pós-graduada da Universidade Louis Pasteur (Strasbourg, França).
A Reconstrução Postural difere do método Mézières em diversos aspectos, nomeadamente (Nisand, 1997; Jesel, 1999; Callens, 2004; Nisand, 2004): (a) Nisand descreve pormenorizadamente a cadeia anterior do pescoço, sendo que passamos a falar sobretudo de quatro grandes cadeias musculares: a grande cadeia posterior, a cadeia ântero-interna (diafragma e psoas), a cadeia braquial e a cadeia anterior do pescoço. (b) Propõe uma nova interpretação da lógica das compensações, salientando a importância de um conjunto de respostas neurológicas aquando do movimento (respostas evocadas) e o contributo dos centros neurológicos centrais para o surgimento das deformidades. Assim sendo, o tratamento passa não só pelo alongamento global das cadeias musculares, mas também pelo trabalho de consciencialização corporal com base na estimulação neuro-sensorial (ou seja, na modificação do padrão de excitabilidade muscular das cadeias posturais), de modo a que os alongamentos possuam um efeito de neuroplasticidade adaptativa eficaz e não só um efeito de modificabilidade temporária do tónus. (c) O método da Reconstrução Postural propõe uma outra forma de interpretar o aparecimento de dor. A dor não tem origem na própria deformidade, mas sim na incapacidade que a estrutura hipertónica tem de se deformar.
A partir destas diferenças, o método de tratamento por Mézières por meio do estiramento em “contracção isométrica excêntrica” transforma-se num meio de tratamento por “solicitação activa induzida” (Reconstrução Postural), ou seja, da postura trabalhada passivamente passa-se para um trabalho de carácter mais activo, mediante a facilitação de padrões de postura por meio de “pontos-chave” (veja-se a semelhança com os pontos-chave de controlo da abordagem neurofisiológica de Bobath), partes do corpo que são sujeitas a movimentos de grande amplitude com o objectivo de induzir ou solicitar determinado padrão postural. As posturas em Reconstrução Postural são obtidas, portanto, a partir de pontos periféricos precisos, e são mantidas não por tempos necessariamente muito prolongados (Mézières), mas até ao ponto em que se verifique a normalização tónica. O agravamento da dismorfia é, ao contrário do que ocorre com o método Mézières, uma condição obrigatória para se obter a postura normal, é um ponto de passagem para a obtenção de um padrão postural correcto.
Diferenças metodológicas levam a diferentes técnicas, sendo que muitas das manobras mézièristas foram modificadas ou suprimidas: o mézièrista tende a evitar todas as compensações, enquanto que o “reconstrutor” tende a lidar com todas as posturas que possam ser efectivas no sentido de se obter uma inibição do padrão; o mézièrista identifica a dismorfia como algo “anormal”, enquanto que o reconstrutor identifica a dismorfia como um ponto de passagem para a obtenção de um padrão postural vantajoso; o mézièrista tende a encontrar uma postura correctiva e a mantê-la o máximo de tempo possível, enquanto que o reconstrutor tende a manter a “postura” só até que exista extinção da resposta evocada (normalização tónica); as autoposturas são impensáveis na Reconstrução Postural, pois o próprio sujeito não consegue educar as suas próprias reacções tónicas correctivas; os proponentes da Reconstrução Postural não falam de “correcção morfológica” como os mézièristas, mas sim de “restauração morfológica”, a qual tem por base não o alongamento mio-fascial correctivo mas sim o alongamento com vista à normalização de padrões de activação tónica das cadeias musculares.
Em termos gerais, podemos referir que a Reconstrução Postural se apresenta como o método mais evoluído em matéria de metodologias de reeducação postural, ainda mais porque é o mais científico de todos os existentes. Vide a quantidade de artigos e investigações escritas, encontráveis no site citado num post anterior.
Resta dizer, aliás sublinhar, que a Reconstrução Postural parece estar anos de luz mais evoluída que qualquer outro conceito de Reeducação Postural. É, na realidade, um verdadeiro método reeducativo, visto que integra funções de modulação a nível central (SNC). A Reconstrução Postural, tanto em termos metodológicos como em termos práticos, vai muito para além de Mézières ou do RPG. Porém, são poucos os que conhecem o método. Alguém saberá que para um fisioterapeuta ser "reconstrutor" tem de estar pelo menos três anos na Universidade Louis Pasteur? Peço, mais uma vez, que quem quer que esteja a ler este texto não deixe de visitar o site http://www.reconst-posturale.com e não deixe de procurar a parte relativa à bibliografia e também o local onde se apresentam dezenas de fotografias do antes e do depois relativos a meses ou anos de tratamento.

O método Mézières

A descoberta de um conjunto novo de leis fisiológicas que o método Mézières viria dar relevo enceta por uma história que cada mézièrista conhece bem (Mézières, 1965; Geismar, 1996; Nisand, 1996; Nisand & Geismar, 1996).
A própria Mézières conta (Mézières, 1965): “Quando numa magnífica manhã de primavera de 1947, nós vimos entrar no nosso consultório uma paciente apresentando uma soberba ‘cifose’, nós estávamos bem longe de pressentir que a nossa profissão e o destino de toda uma legião de doenças iam ser mudadas. Tratava-se de um sujeito longilíneo, muito alto e magro. Um colete de couro e ferro não havia conseguido parar, como esperado, a progressão da doença.”
Nesta época, a ginástica postural clássica era realizada com base nas leis fisiológicas que reforçam o papel do fortalecimento muscular. E foi esse mesmo tipo de trabalho que foi feito inicialmente com a doente. Mézières (1965) refere: “Nós tentámos, naturalmente, os exercícios de ‘endireitamento’ e o trabalho dos músculos dorsais com vista a fortalecer os extensores do dorso, mas a rigidez era tal que nada era possível realizar. Deitando, então, a nossa doente, no chão, em decúbito dorsal, nós realizámos a flexão dos ombros e vimos, para nosso espanto, produzir-se uma enorme lordose lombar. Para não acrescentar um mal à cifose já presente, nós realizámos a báscula posterior da bacia e, para nosso novo espanto, vimos a hiperlordose lombar esquivar-se e deslocar-se para a nuca.”
Depois de repetida várias vezes a experiência, Mézières e os colegas acabaram por admitir uma verdade que viria a ser anunciada como uma nova lei: que “todo o encurtamento parcial da musculatura posterior leva a um encurtamento de todo o conjunto desta musculatura” O que corresponde à noção de cadeia muscular, onde “toda a modificação de comprimento no sentido do alongamento ou no sentido do encurtamento de parte da musculatura tem repercussão sobre todo o conjunto”.
Françoise Mézières acrescenta: “Tanto que como o alongamento da musculatura lombar se traduzia pelo encurtamento da curvatura cervical, a lei é que o alongamento de um qualquer músculo posterior leva ao encurtamento do conjunto da musculatura posterior”. É o que costumamos de chamar de noção de compensação.
“Então, para esta paciente, nenhum músculo posterior era demasiadamente fraco ou longo, nem mesmo os da região cifosada; pelo contrário, todos estavam curtos, rígidos e fortes demais. O sujeito não era de forma alguma esmagado pela acção da gravidade, mas sim achatado pela sua própria força, a de seus músculos dorsais. Era preciso, ao invés de fortalecer esta musculatura, descontraí-la, alongando de uma ponta à outra da coluna vertebral, como se se tratasse de uma lordose.”
Actualmente sabemos que a “cadeia posterior”, identificada pela primeira vez por meio das observações de Mézières, inclui um comportamento dinâmico, o qual integra um conjunto muito avultado de estruturas musculares, como o diafragma e a musculatura anterior. Esse comportamento dinâmico integra um conjunto de inúmeras compensações, geradas por mecanismos protectores, sendo que estes são devidos ao reflexo anti-álgico à priori (Mézières, 1970, 1984). Assim sendo, sabemos actualmente que uma cifose pode ter origem em: (a) excessiva força ou tonicidade da musculatura dorsal, (b) compensação gravítica da lordose existente numa outra parte da cadeia muscular posterior, ou seja, a cifose é consequente da existência de uma parte retraída da musculatura posterior, (c) retracção da musculatura inspiratória acessória, em sinergia com a retracção da cadeia inspiratória ou diafragmática, e (d) retracção das cadeias musculares anteriores, encurtamento derivado da zona posterior e transportado pelo diafragma à zona anterior, na forma de uma ou mais compensações.
Entrámos, efectivamente, num conjunto de noções variadas que inicialmente Mézières não dominava. A fisioterapeuta resumia, efectivamente, as suas observações em duas partes: (1) a musculatura posterior comporta-se como um só músculo e (2) ela é sempre forte de mais, curta de mais, potente de mais. E, para os proponentes de Mézières, o princípio preliminar de que todas as deformações têm origem num encurtamento da musculatura posterior manteve-se incólume até à data.
Deve, também ser acrescentado que a própria Françoise Mézières terá cedo percebido que existia uma sinergia importante entre a musculatura posterior e o diafragma e os músculos rotadores internos das ancas.
Assim sendo, a desmontagem dos princípios far-se-ia na forma de um tripé de intervenção, com vista à harmonia muscular ou bela forma (considerada a morfologia perfeita, assente num conjunto de curvaturas vertebrais e eixos segmentários com expressão “normal”): deslordose, expiração e desrotação. Estes três princípios de tratamento são o que todos os métodos francófonos de reeducação postural têm mantido como base incólume de acção.
Geismar (1993) resume as bases científicas do método Mézières num conjunto de sete princípios, os quais iremos manter na linguagem original:
Primeiro princípio: «Tout vient de l’enraidissement des muscles postérieurs». Princípio considerado primacial, paradigma de todos os métodos ditos “mézièristas”. Por outro lado, tem sido diluída a sua importância por autores mais modernos (Souchard), que, como veremos mais tarde, podem não ter compreendido completamente o alcance do princípio.
Segundo princípio: «Il n’est que des lordoses; La lordose est responsable de la cyphose; Tout est compensation lordotique». Mais uma vez, um princípio fundamental, quase um pleonasmo relativamente ao anterior.
Terceiro princípio: «Solidarité du tronc et des membres; Influence de la rotation interne des membres». Este princípio anuncia uma das lógicas de sinergia muscular. Efectivamente, visto que os rotadores internos das ancas possuem uma inserção importante a nível lombar (principalmente o músculo psoas), eles aparecem retraídos na maioria dos casos de deformidade, e têm de ser vistos como característica inerente à “lordose”.
Quarto princípio: «Influence du blocage diaphragmatique». Mais um princípio relativo à lógica da sinergia muscular. O diafragma é um músculo lordosante, com poderosas inserções lombares. Por outro lado, relaciona-se, de forma sinérgica, com os músculos inspiratórios acessórios, os quais possuem inserção a nível cervical.
Quinto princípio: «Il n’est de bonne tenue de tête sans quadriceps». Este é um princípio relativo à importância de se fortalecer a musculatura dinâmica, na qual se inclui o músculo quadricípete.
Sexto princípio: «Des abdominaux». À semelhança do anterior, é um princípio que reforça a importância de se fortalecer os músculos abdominais (de natureza dinâmica), nomeadamente os músculos rectos e oblíquos.
Sétimo princípio: «Les effets des attitudes capitales». Princípio relacionado com a lógica das compensações e dos reflexos protectores.
Importante será referir que Mézières e os mézièristas sempre escreveram para os especialistas da área, e sempre num tom de ressalva tecnicista. Daí que muitos dos princípios de Mézières não tenham sido adequadamente traduzidos para uma linguagem mais globalizada e acessível. Os seus princípios ficaram efectivamente reservados a um conjunto particular de médicos e terapeutas. Para além disso, a natureza teorética e axiomática de certos princípios viria a ser afirmada de forma muitas vezes pouco científica e mal categorizada, o que fez com que muitas das bases teoréticas mais tarde laboriosamente elucidadas por Souchard tivessem permanecido mal explicadas até que o anterior autor as tivesse enunciado.
Publicado na revista "Saúde Actual", Maio de 2007

segunda-feira, março 12, 2007

A propósito da Reconstrução Postural

Estava eu a escrever um artigo sobre as "cadeias musculares", para publicação futura numa qualquer revista especializada, e tive a necessidade de consultar o site oficial sobre o método "Reconstrução Postural", de Nisand. Entretanto, dentro do site, descobri um link para aceder a uma "bibliografia". Meu Deus! Espanto dos espantos! Dezenas, várias dezenas de estudos, artigos, teses, livros sobre Mézières e a Reconstrução Postural... Imensos trabalhos científicos sobre Reeducação Postural, como nunca antes tinha visto. E pude dar conta de um conjunto incomensurável de dados sobre os métodos, trabalhos verdadeiramente científicos, que, muitas vezes, pensei não existir... mas existem!... só é pena nada disto estar publicado a nível internacional. Ou seja, não há nada mais urgente, se queremos verdadeiramente compreender a área, do que aprender francês e pisar solo francês. Visitem o site da Reconstrução Postural http://www.reconst-posturale.com e vão à parte relativa à Documentation - Bibliographie. Boas leituras!

sexta-feira, março 09, 2007

A culinária terapêutica: cadeias de movimento, diferentes paradigmas

Um erro teorético comummente conformado por muitos fisioterapeutas ou professores de fisioterapia consiste no acto de confundir o conceito de “cadeias musculares” de Souchard com o conceito de “cadeias musculares” de Busquet. Há quem se dê ao trabalho de comparar os dois conceitos ou métodos de intervenção. Quem efectua tal comparação tende a dizer que o método das “cadeias musculares” de Busquet representa uma inovação em comparação com o método de Souchard; que as “cadeias musculares” segundo Busquet incluem estruturas que as “cadeias” de Souchard não incluem, que o conceito de Busquet atinge auspícios que Souchard nunca imaginou. Ainda mais tende a dizer que o método de Busquet apresenta-se a anos de luz de distância do método Mézières, em termos de conceptualização.
Ora, não sei como é possível que tanta gente, o que inclui fisioterapeutas excelentemente formados em todos estes métodos, caia em tamanho engano. Comparar Souchard com Busquet é como comparar o músculo multifidus com a “massa comum”; é verdadeiramente comparar laranjas com maçãs. Os métodos são simplesmente incomparáveis, pois o conceito de “cadeia muscular” é diferente em ambos os métodos; se Souchard identificou diversas cadeias musculares posturais ou estáticas, Busquet identificou diversas cadeias musculares de natureza dinâmica. Para Busquet, a única cadeia muscular estática existente corresponde à cadeia posterior, aliás “cadeia estática posterior”. As suas cadeias “cruzadas”, “de flexão” e “de extensão” são cadeias de movimento e não estáticas. Como tal, Busquet afasta-se do conceito de “postura” ou de “reeducação postural”, sendo que o que ele efectivamente fez foi visualizar o corpo num historial de massas musculares intervenientes na função dinâmica. Acontece, então, que, em termos de “Postura”, Busquet não se afastou tanto de Mézières quanto Souchard: para ele, tudo está dependente da “cadeia estática posterior” (o que ele inteligentemente fez foi valorizar mais o papel das fáscias do que dos músculos propriamente ditos – uma evolução análoga ao conceito anglo-saxónico de “Trilhos anatómicos”), à semelhança do pressuposto no método Mézières. A partir do momento em que focamos as outras cadeias, saímos do conceito de “Postura” e entramos no de “Movimento”.
Claro que certos “intelectuais da fisioterapia” (conceito não meu, mas do excelente Paulo Araújo) podem sempre vir argumentar que “Postura” é na realidade um conjunto microscópico de inúmeros “movimentos”, oscilações e ajustes, ou que o “Movimento” é um todo que é mais do que a soma de diversas “posturas”, mas, excelências, convenhamos que o mais simples e parcimonioso é preferível à complexificação exagerada... Postura é Postura. Movimento é Movimento. Tal como uma laranja é diferente de uma maçã, apesar de ambas serem igualmente constituídas por átomos.
Mas, voltando a encarrilar no tema, devemos ter em conta que o conceito de “cadeias musculares dinâmicas” de Busquet ultrapassa grandemente a temática da “Postura”, para abraçar certas temáticas não muito dissemelhantes de certos “padrões de movimento”, que uns certos proponentes de Kabat ou de Bobath têm tantas e inúmeras vezes referido. Aqui chego ao ponto de me perguntar se haverá por aí muitos fisioterapeutas que reconhecem certas semelhanças no domínio de certos conceitos. É que só temos um mundo, apesar de tanta diversidade cultural. E em diferentes partes do mundo, o corpo não tende a funcionar de maneira diferente. Ora, então eis que proponho que os tais “intelectuais da fisioterapia” ousem comparar Busquet, fruto francófono, com o PNF, fruto americano, e com Bobath, fruto anglo-saxónico, e com o Tai-chi, fruto oriental. O prof. Paulo Araújo e a terapeuta Eva Albuquerque já fizeram a mesclagem PNF – Tai-chi... Será que outro alguém ousará fazer mais “truques de culinária”?...

sexta-feira, março 02, 2007

Coluna lombar neutra ou deslordosada?

Uma das questões mais relevantes das temáticas do tratamento das raquialgias e da reeducação postural centra-se no tipo de posição que devemos manter ao nível da coluna lombar. Durante os exercícios reeducativos, deve a coluna manter-se em posição neutra ou deve estar completamente deslordosada?...
Efectivamente, esta é uma questão que contrapõe a reeducação postural e o Pilates clássicos à reeducação postural e ao Pilates modernos. As escolas clássicas de Pilates e de reeducação postural (neste caso, referimo-nos ao método Mézières) fazem uso de uma filosofia de deslordose total da coluna lombar. Assim sendo, nas diversas posições de tratamento, a curvatura lombar deverá ser apagada, o que coloca as estruturas sob uma tensão determinante. As escolas modernas de Pilates e de reeducação postural (aqui referimo-nos, portanto e mais explicitamente, à Reeducação Postural Global e ao Stretching Global Activo de Souchard), a coluna lombar é mantida numa posição neutra, o que possui vantagens funcionais adicionais.
A questão envolvida no tipo de alinhamento preferencial da coluna lombar está longe de permanecer resolvida. Acontece que, na realidade, a deslordose constitui a posição de máximo distanciamento vertebral e de máximo alongamento muscular lombar, sendo que a citada posição apresenta vantagens enormes no respeitante à consecução de um alongamento ou tensão acrescidos. Entretanto, os proponentes da “coluna neutra” argumentam que tal nível de “tensão” é algo excessivo e que, em termos funcionais, a posição de coluna neutra é aquela que se apresenta como mais vantajosa.
Ora, no meio desta dialéctica qual é a minha opinião particular?... Em termos gerais, não posso deixar de concordar com ambas as perspectivas, pelo que tendo a trabalhar tanto com a coluna neutra como com a coluna deslordosada, dependendo da posição do indivíduo. Por exemplo, em decúbito dorsal, para mim, a coluna lombar deve permanecer completamente apoiada no colchão, principalmente porque, a partir do momento em que os joelhos se apresentam flectidos, a manutenção da coluna em posição neutra representa um desafio demasiadamente grande para o sujeito. Em decúbito ventral, também sou adepto da total deslordose, conseguida pela colocação de uma toalha dobrada ou almofada por debaixo do ventre. Por outro lado, em decúbito lateral, de gatas e nas posições de “prancha de dificuldade intermédia”, prefiro manter a coluna neutra, pois são posições de registo funcional acrescido. Mas, por exemplo, um indivíduo inexperiente que se aventure a fazer uma “prancha completa”, não o deverá fazer com a coluna neutra, pois rapidamente perde o neutro e cai para hiperlordose, sustentando-se nesse “tigre que temos nas costas” (Bertherat); isto se já não tiver compensado a tal “prancha” com um brilhante “triângulo” menos esforçado...Convido cada um a rever estes conceitos e a verificar as vantagens e desvantagens dos diversos alinhamentos. O meu “eclectismo de posições” coloca-me em risco de confundir os doentes ou alunos, pelo que não posso deixar de me manter bem seguro das minhas convicções e preferências.
Coluna lombar neutra (www.thepilatesman.com)
Coluna lombar apoiada