quarta-feira, julho 25, 2007

Levantando pesos: o grande modelo de treino terapêutico e desportivo

A musculação é provavelmente o mais praticado dos desportos ou actividades de ginásio. Independentemente se nos referimos ou não à sua versão intitulada “Culturismo”, não há quase nenhum praticante de actividades gímnicas que não tenha levantado uns pesos, assim como não há quase nenhum fisioterapeuta que não tenha empregue o trabalho de pesos na recuperação dos seus doentes. Percebamos que o trabalho de pesos pode ajudar no ganho de vitalidade e controlo motor; será fundamental na recuperação de fracturas e todas as condições que tendam à flacidez, assim como será condimento obrigatório de todo o desportista que queira cultivar um corpo mais “belo”. Mas o treino de pesos não é obrigatório para a maioria das condições de trabalho em fisioterapia. Daí não se perceber por que é que o fisioterapeuta persiste numa obsessão irracional de “fortalecer”, quando, na realidade, o doente quase sempre necessita é de uma “reeducação funcional” (seja o doente ortopédico, seja o doente neurológico).
Muitos fisioterapeutas deveriam perceber que jamais o treino de resistências pode ser utilizado com vista à melhoria da Postura, assim como é impossível conseguir uma melhoria do alinhamento de uma articulação por meio do treino de pesos. O treino de força possui uma metodologia muito interessante mas é desnecessário à maioria das condições com que lida o fisioterapeuta, principalmente se o mesmo treino for de cariz analítico e não funcional.
Mas deixemos as coisas bem claras! Enquanto praticante que sou de actividade desportiva, posso dizer que, por vezes, não consigo resistir ao levantamento de pesos. Como antigo praticante de culturismo, posso dizer que, para mim, a musculação é o mais interessante dos desportos existentes (e é mesmo um desporto com cariz próprio e autónomo). Adoro a musculação e já fui viciado na mesma. Enquanto pessoa, possuo um gosto inefável pelo treino de pesos e outros irracionais. Contudo, enquanto terapeuta, e ainda mais enquanto terapeuta que se interessa por Reeducação Postural, tenho muito pouco a defender na prática do treino de força. E não tenho reservas em dizer que, quase sempre, o treino de força possibilita uma certa estética, em detrimento da saúde!

sábado, julho 21, 2007

As estações do corpo

“As estações do corpo”. É o título do terceiro livro de Thérèse Bertherat, criadora da “antiginástica”. É, provavelmente, o mais enfadonho dos três que já li da autora. Tem uma certa qualidade literária, mas, talvez por isso mesmo, não consegue fugir à maçada de uma leitura pouco técnica, pouco “terapêutica”. A obra não fala de métodos, não fala de casos. Esboça a temática das “estações comportamentais do corpo” ou da forma como o corpo reage e funciona nas diferentes estações do ano, e segundo diferentes ritmos (inicialmente externos e depois internos). Neste ponto, a obra, assim como todo o método de Bertherat, antecipa a inclusão de questões relacionadas com a “medicina tradicional chinesa” nos métodos de Reeducação Postural (assim sendo, o senhor Courchinoux não é, de forma alguma, iniciático no tratamento destas questões). Com um tom bastante pessoal, e um tanto afectivo, a obra toca-nos, apesar de não possuir o esplendor técnico dos seus primeiros livros.
A propósito da temática das “cadeias musculares”, gostaria de passar um excerto de um capítulo do livro, o qual fala da natureza das cadeias posterior e anterior do corpo (repare-se na natureza apriorística da informação seguinte, real nos seus preâmbulos, mas um tanto fora de prazo no seu desenvolvimento):
“Se, em lugar de lendas, prefere a realidade anatómica, saiba que temos na parte de trás do corpo uma possante cadeia muscular, que vai do crânio aos calcanhares, e mais além, pois ela prende-se sob os pés e segura os dedos na sua trama.
Essa cadeia, como um tecido sem falha, estende milhares de fibras de um lado ao outro do corpo, mas somente na parte de trás. As fibras dessa cadeia muscular prendem-se nos nossos ossos por tendões sólidos. Encaixam-se umas nas outras, sobrepõem-se em camadas ajustadas, estão admiravelmente dispostas, com simetria, de cada lado das vértebras.
Ao se contraírem, comandam todas as articulações, todos os movimentos. As fibras musculares dessa cadeia – posterior – têm uma constituição muito robusta, excepcional. São capazes de se contraírem com força e, quando contraídas, é muito difícil afrouxarem.
Com efeito, essa cadeia pode tornar-se uma verdadeira cilada na qual nos atiramos. Ficamos emaranhados nas fibras dos nossos músculos, presos como o coelho que cai na armadilha cujos laços vão-se apertando à medida que ele se debate.
Na frente, tudo é bem diferente. Não há cadeia anterior [aqui está um ponto discutível...], mas sim músculos isolados que caminham separados ao longo, (...), sobre o nosso pescoço, peito, abdómen e parte dianteira das coxas. (...)
Atrás, os músculos da cadeia posterior, bem organizados, agrupados, solidários entre si, pretendem participar de todos os nossos movimentos. (...) Ao se contrair, forçosamente [a cadeia posterior] diminui de comprimento. Se a musculatura estiver permanentemente contraída estará permanentemente mais curta.
A composição química e a aparência dos músculos modifica-se. De apenas rígidos, tornam-se contraídos, encolhidos. Os nossos músculos, repito, comandam as articulações; são eles que fazem mexer os ossos do esqueleto e, por conseguinte, são eles, e somente eles, que dão ao nosso corpo a forma que tem. Ao aproximar as articulações, os músculos são capazes de dobrar a coluna, mantê-la arqueada, exagerar as curvaturas e achatar as vértebras.
As bordas ósseas das vértebras, juntadas à força, comprimem os nossos “discos” delicados, sensíveis, e a raiz dos nervos, mais sensível ainda. (...)
Enquanto atrás se desenrola esta cena – dramática – o que fazem os músculos da frente? Bocejam, os músculos da frente. Estão inibidos pelos seus parceiros-antagonistas que os proíbem de agir. Aumentam de volume, ficam mais pesados entre os seus tendões. Diante dos olhos, lá os temos flácidos e molengas. Concluímos apressadamente que toda a nossa musculatura é muito fraca e precisa de ser corrigida.
Na verdade, a musculatura gosta de ser tratada com tacto e inteligência. Gosta de ser compreendida. Os músculos que ficam atrás só precisam de ser afrouxados, alongados. Os músculos da frente não precisam de nada. [outra parte questionável...]. Se são fracos é porque as contracções dos seus antagonistas impedem que, por sua vez, eles se contraiam. São, desse jeito, submetem-se a essa lei, a esse mecanismo peculiar. Solte a cadeia aferrolhada que existe atrás e verá que, na frente, os músculos deixados em liberdade conseguirão, sozinhos, mudar de forma, mudar de aspecto.
É detrás que a forma do nosso corpo se decide [princípio mézièrista basilar]. Somos esculpidos por trás e quase sempre amassados sem complacência.”

quarta-feira, julho 11, 2007

Fortalecendo o corpo de dentro para fora: Pilates sim, Musculação não

Em diferentes culturas, a capacidade de força muscular é vista de diferentes maneiras, com base em conceitos dissemelhantes. Afinal de contas, não é muito difícil de perceber que a força envolvida nas artes marciais, nomeadamente a força explosiva, é diferente da força envolvida no treino de um culturista (treino de hipertrofia muscular); a força de um ciclista que sobe a montanha (resistência muscular) é obviamente diferente da força do halterofilista que eleva uma grande quantidade de peso acima dos seus ombros (potência muscular). E se todas estas formas de força compreendem o conjunto de actividades que integram a utilização de contracções musculares completas, inclusivas de uma fase de aproximação das inserções musculares (contracção concêntrica) e de uma fase de afastamento das inserções musculares (contracção excêntrica), o que diremos daquelas actividades que empregam contracções sem movimento aparente (contracções estáticas), como ocorre no Yoga?...
Parecem possuir vantagens distintas as actividades em que é mantida a realização de posturas de força mantida e resistente, somadas ao alongamento global de determinadas cadeias musculares. Só através deste tipo de actividades é possível empreender um trabalho muscular inclusivo das massas musculares profundas, grupos musculares com uma grande importância na estabilidade central do corpo e no controlo postural.
Neste contexto, de forma mais ou menos intuitiva, no início do século XX, um homem chamado Joseph Pilates viria a criar um sistema de exercícios que teria como principal objectivo o treino da força muscular profunda. Este homem não tinha qualquer tipo de formação na área da saúde, mas demonstrou-se extremamente intuitivo no momento de criar um conjunto de exercícios com uma série de vantagens para as mais dissemelhantes pessoas.
Joseph Pilates permitiu que o seu sistema de treino atravessasse o oceano atlântico, tendo criado estúdios na América e permitido a criação de uma linhagem extensa de alunos e discípulos. O método Pilates viria a obter um extenso sucesso, sendo que se tornaria provavelmente o mais famoso método de fitness. Interessou a bailarinos e, mais tarde, a fisioterapeutas e professores. Manteve-se na mira dos sérios praticantes de exercício físico, inclusive famosos actores e personalidades públicas, ao mesmo tempo que a prática de levantamento de pesos em ginásios mantinha o seu estatuto de desporto de cadastrados e dissidentes.
O método Pilates veio a tornar-se uma verdadeira compulsão da moda, sendo que, ainda actualmente, apresenta-se como um método vistoso, de natureza quase esotérica e milagrosa. As pessoas advinham no método uma espécie de panaceia do total bem estar físico e espiritual, para além de verem nele a resolução única dos seus problemas. É, provavelmente, mais um efeito perverso do diabólico marketing.
Ao contrário do que se poderá pensar, o método Pilates não é necessariamente a melhor solução para os problemas de coluna. Aliás, quando nos referimos a “problemas de coluna”, podemos estar a incluir inúmeras condições clínicas, sendo que algumas dessas situações podem não ganhar, mas sim perder, com a prática de Pilates.
Por outro lado, a melhor virtude do Pilates não tem sido suficientemente aludida pelos profissionais. Trata-se precisamente da possibilidade de realização de um treino de força profunda, de natureza estática a nível abdominal e excêntrica a nível periférico, fazendo com que exista uma melhoria da estabilidade corporal sem que se verifique um necessário aumento de tensão.
A prática de musculação leva irremediavelmente à perca da flexibilidade, seja porque a prática é feita com posturas impróprias, seja porque inclui a utilização de cargas extremamente elevadas que sobrecarregam o trabalho muscular na fase de aproximação das inserções do músculo. Digam o que disserem alguns autores de livros de musculação/culturismo, a perda de flexibilidade no treino de pesos compreende uma realidade insofismável. Para além disso, o treino de cargas tende a perpetuar ou fixar os desequilíbrios posturais previamente existentes.
A utilização de pesos, tanto em fitness como em fisioterapia, é extremamente comum, mas releva de alguma ignorância profissional. O treino de força deveria ter sempre uma componente funcional, com atenção especial ao controlo motor. Daí que os fisioterapeutas só deveriam utilizar terapias de força com base no treino excêntrico, mediante a realização de actividades lúdicas e que envolvam especial controlo neuromuscular (como já vai sendo feito no seio das terapias neurológicas).
Já na antiguidade grega, o corpo, considerado uma forma ideal, símbolo de valor e juventude, constituía um pleno de beleza e vitalidade, com massas musculares moderadas e proporcionadas. Mesmo Miguel Ângelo, no renascimento, viria a idealizar o corpo como uma estrutura de grande densidade central, pleno de força, energia e flexibilidade, com a presença de massas musculares salientes mas não exageradas.
O método Pilates possui a inaudita vantagem de permitir o treino de força em posições de alongamento, com controlo do centro abdominal e coordenação permanente da respiração. Baseia-se fundamentalmente em exercícios de controlo central do tronco, sendo que se aproxima de certos dados da fisioterapia neurológica, segundo os quais sem estabilidade central (do tronco) é impossível obter estabilidade proximal (dos membros) e sem esta é impossível obter mobilidade periférica (das extremidades).
Não é, contudo, isento de perigos e/ou inseguranças. Comummente, diversos instrutores de Pilates, de diversas escolas e/ou tradições práxicas, abusam na realização dos exercícios, sobrepujando o esforço abdominal dos praticantes. Se o treino abdominal profundo, nomeadamente do músculo transverso abdominal e do diafragma pélvico, permite a estabilização fisiológica da coluna, se realizado com moderação e sensatez (sem a presença de compensações musculares), o mesmo treino, se for realizado com esforço acrescido, poderá levar ao arqueamento da coluna e à solicitação de uma série de músculos que não interessa esforçar (é o caso da musculatura paravertebral extensora da coluna).
Um dos objectivos da existência de uma musculatura abdominal profunda resistente consiste na possibilidade de evitar a utilização da musculatura paravertebral na realização de uma série de actividades que exigem equilíbrio. Porém, o treino sobrepujado dos abdominais leva a que a coluna seja utilizada como ponto móvel no exercício, ao invés de se manter como ponto fixo. A utilização da musculatura extensora leva a que a lordose ou retracção da cadeia muscular posterior, principalmente da região tóraco-lombar da coluna, aumente ao ponto de se fixar numa postura extensora. Assim sendo, o método Pilates, se utilizado com exagero e/ou fraco controlo leva à criação de uma postura anormal, muitas vezes confundida com uma boa postura, pelo facto de a pessoa estar aparentemente mais “direita” ou menos “corcunda”.
A permanência de um tipo de postura extensora, seja ela atitudinal ou estruturada, é muito comum nos instrutores de fitness. Segundo a perspectiva de Godelieve Denys-Struyf, a escolha deste tipo de atitude favorece a ideação e a acção, “fazendo dela uma estrutura que procura prever e garantir um certo controlo sobre os acontecimentos, pelo saber e pelo poder”. É, portanto, uma atitude de defesa corporal, muitas vezes difícil de desbloquear, mesmo através do alongamento global progressivo.
Para mim, a prática de Pilates deveria ser feita sempre com a coluna lombar completamente apoiada, ao invés do que muitas escolas de Pilates tendem a advogar (nomeadamente, a utilização de uma posição neutra da coluna). O apoio total da coluna facilita a compreensão do controlo do centro abdominal, para além de permitir evitar a manutenção de uma postura anormal.
A prática de Pilates apresenta-se, assim, como especialmente vantajosa, mas apenas se mediada por um instrutor sensato e relevantemente formado, que consiga atender às diferenças posturais e comportamentais das diferentes pessoas. Como tal, resta dizer que um bom instrutor de Pilates ou, em geral, de fitness, não é necessariamente o melhor modelo, aquele que faz melhor os exercícios; é sim aquele que faz com que as pessoas, essas sim, façam bem os exercícios e consigam obter as sensações óptimas inerentes aos mesmos.