sábado, setembro 27, 2008

Este é o melhor dos mundos possíveis

Ultimamente a minha contribuição para o blog tem sido ínfima. Isso acontece porque há alturas da nossa vida em que estamos mais apostados em ler do que em escrever. E também acontece porque, há pouco tempo, saí de um importante projecto de escrita, projecto esse que dará origem a “algo” que revelarei em Novembro.
Esse “algo” encerra uma jornada, nomeadamente a jornada relativa à luta anti-fitness que tenho estabelecido e que continuo a estabelecer. Sobre essa luta, posso dizer que, por cada vez que um instrutor de fitness fala comigo sobre alguma temática mais técnica ou outra mais genérica, me assusto de uma forma algo repulsiva. Não há realmente grande cultura nesses meandros do mundo da indústria do fitness.
Também no mundo da fisioterapia não abundam grandes exemplares de cultura literária e filosófica. Em tempos, conheci uma terapeuta com um grande conhecimento da literatura portuguesa... mas com grandes fraquezas noutras áreas. Gostava de conhecer mais fisioterapeutas – e outros profissionais da motricidade – com um conhecimento mais generalizado da “inteligência do velho mundo”.
Enfim... Os hábitos de leitura e de escrita não abundam por entre os portugueses, e, em especial, por entre os jovens. Mas, ainda assim, os novos cursos de Fisioterapia já são, de certo modo, capazes de formar jovens bem dotados e inteligentes. São estes jovens fisioterapeutas que constituem a grande motivação da minha escrita. Pois são também eles que tiveram acesso às grandes lides culturais ou a um outro tipo de escolarização.
Isso é algo que distingue significativamente bem os novos dos velhos fisioterapeutas. Os novos fisioterapeutas podem, eventualmente, ter menos experiência que os mais antigos da praça, mas são, regra geral, mais inteligentes, capazes e promissores do que os velhos fisioterapeutas do início da profissão. Os novos fisioterapeutas possuem conhecimentos de ciência, matemática e estatística, literatura e cultura geral, capazes de envergonhar categoricamente os velhos da profissão. Portanto, não pode deixar de ser irónico que sejam precisamente os “velhos da profissão” a possuírem os melhores lugares nas melhores empresas, e lugares destacados do ensino nas diferentes escolas de Fisioterapia. Mas onde seguramente os velhos fisioterapeutas se acumulam de forma hedionda é na Associação Portuguesa de Fisioterapeutas. Verdade seja dita que o programa do 7º Congresso Nacional de Fisioterapeutas exprime bem o tipo de favoritismo que a APF tem pelos “velhos do Restelo da Fisioterapia”. Os nomes dos convidados são – repetidamente – os mesmos de sempre! Nomes que a APF considera como sendo de profissionais de reconhecida competência. Enfim!... É pena que a APF não se preocupe mais em reconhecer a qualidade dos novos profissionais, assim como muitos dos problemas que afligem esses mesmos jovens (a respeito disto poderia escrever um outro texto, intitulado talvez como “Por que é que a Associação Portuguesa de Fisioterapeutas continua formalmente a fazer de conta de que tudo vai bem no mundo da Fisioterapia?”; pois a atitude da APF perante os problemas que afligem os terapeutas é de total indiferença.).
Bem, como o mundo não é completamente injusto, há-de vir o tempo em que os “velhos da profissão” hão-de extinguir-se, nem que seja por um qualquer justo processo de darwinismo social.
Os hábitos de leitura e a capacidade intelectual também ajuda na distinção – necessariamente importante – entre fisioterapeutas e essa raça tão “sofrida” de “técnicos auxiliares de Fisioterapia”. Não obstante a sua utilidade para um sistema capitalista sem tréguas, os técnicos auxiliares de fisioterapia, conhecidos muitas vezes por “terapeutas” para o público comum, constituem um “mal” ilimitado do nosso país. Estes mesmos “profissionais” continuam a julgar que podem competir com os fisioterapeutas!... E não há palavras para afirmar a vanidade da vontade de os “mandar ir passear”, quando nos lembramos de tantas horas de estudo no curso que fizemos no passado. Acaso o técnico auxiliar de Fisioterapia conhece 1% das técnicas mais sofisticadas da Fisioterapia? A resposta tende a ser “não”. Mas é curioso! Os técnicos auxiliares de Fisioterapia não têm constituído grande alvo de ataque formal da minha parte. Talvez porque, perante os níveis de aculturação dos fisioterapeutas, eu reze para que não deixem de existir estes profissionais que fazem aquilo que posso designar por “fisioterapia mesquinha”.Entretanto, talvez muitos terapeutas possam começar a ler um pouco mais do que aquilo que lêem. Para os “velhinhos do Restelo da APF” recomendo que leiam Leibniz, o filósofo do “este é o melhor dos mundos possíveis”.

domingo, setembro 14, 2008

Notas de acesso ao ensino superior em cursos de saúde: Da medicina à fisioterapia - Carta endereçada ao Jornal Público

Enquanto profissional de saúde que sou, nomeadamente fisioterapeuta, interesso-me (ainda) pelas notas dos últimos colocados em cursos de saúde. E todos os anos vejo a evolução dessas mesmas notas e assisto ao ressurgimento contínua de uma poderosa facécia ilusória. Refiro-me às notas de entrada para os cursos de Fisioterapia. Como é possível que as notas de acesso a este curso sejam tão elevadas, num contexto de desemprego quase obrigatório dos fisioterapeutas? Como é possível que a Comunicação Social não contribua para dar da Fisioterapia a mesma imagem que tem sido dada da Enfermagem, ou seja, uma imagem de crescente desemprego e precariedade.
A verdade é que as notas de 17,6 em Fisioterapia em Coimbra e no Porto jamais poderão justificar-se, ainda mais porque o curso de Medicina possui como nota mais baixa de acesso, em Lisboa, 17,9. As diferenças de notas entre Fisioterapia e Medicina são cada vez mais espúrias, mas, na realidade clínica e no contexto profissional, a realidade de um fisioterapeuta é totalmente negra, enquanto que a realidade profissional de um médico continua a ser quase paradisíaca.
Não há realmente justificação para as crescentes notas do curso de Fisioterapia. É urgente informar os jovens estudantes que uma poderosa máquina financeira – ligada à formação de futuros e recém formados fisioterapeutas – ganha muito com a existência de um tão grande número de profissionais. Pois, na realidade, quando os “novos” fisioterapeutas saem dos cursos – quase sempre muito inseguros relativamente ao seu futuro profissional – são possuídos pelo pensamento de que devem realizar muita formação contínua e/ou pós-graduada para conseguirem singrar. Tal é uma absoluta ilusão, visto que a realidade é que são gastos milhares de euros em formação que não é adequadamente reconhecida e valorizada pelos postos de trabalho.
É “obrigatório” informar estes “novos alunos” e “futuros fisioterapeutas” que o número destes profissionais vai chegar aos 10 mil até ao final da década (previsão recente da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas), e que o desemprego constitui, face às actuais necessidades de mercado, uma realidade obrigatória. É também “obrigatório” informar que, neste momento, há fisioterapeutas a trabalhar em clínicas de fisioterapia por 3 e 4 euros à hora, e, como se isso não bastasse, já há fisioterapeutas a oferecerem-se para trabalhar (temporariamente) de graça para muitas e variadas clínicas. E, por fim, é preciso informar que o número de escolas – públicas e privadas – de Fisioterapia atinge quase o número de 20; o que significa um excesso de fisioterapeutas no mercado de trabalho. Estas várias escolas de Fisioterapia foram criadas, muitas delas, com legislação suspeita e sem qualquer tipo de controlo das futuras necessidades comerciais. Ou será que os responsáveis por estas escolas previram o número excessivo de profissionais no mercado? E terão tido em conta a existência de tantas outras profissões que competem comercialmente com a Fisioterapia como os “técnicos auxiliares de fisioterapia” (em muito maior número nas clínicas, pois ganham significativamente menos que os fisioterapeutas... pelo menos, por enquanto...), enfermeiros de reabilitação, osteopatas e diversos terapeutas das medicinas não convencionais?...
O que a realidade profissional me tem ensinado é que, não sendo a Fisioterapia um terreno particularmente prestigiado pelo Estado, as remunerações dos terapeutas são progressivamente mais baixas, assim como mais baixo é o seu reconhecimento. Eu, que finalizei o meu curso em 2003, ainda agora trabalho num sistema de “recibos verdes”, numa situação profissional em que as minhas competências ainda não são assaz compreendidas e valorizadas.
Acabo dizendo que é obrigação da Comunicação Social relatar esta problemática ao público em geral, pois parece que a situação menos privilegiada dos enfermeiros, constituindo cada vez mais tema de telejornais, já foi compreendida, o que pode ser constado pela relevante descida das médias de entrada para o curso de Enfermagem.

terça-feira, setembro 09, 2008

Os fisioterapeutas ganham muito pouco para servirem de gruas...

E assim se inicia um novo "ano lectivo"!... Já há muito tempo que não escrevia para o blog. Mas, em breve, voltarei a colocar mais e mais novidades neste "espaço". Segunda feira foi o dia mundial da Fisioterapia, dia que, em termos laborais, é de total catástrofe. Aliás, um artigo meu vai sair na próxima revista "Plenitude" (encarte do Jornal gratuito "Sexta"), referindo alguns dos aspectos mais prementes do "funcionamento" da Fisioterapia em Portugal; isto, depois de ontem ter saído o meu artigo "Mobbing ou o assédio moral no trabalho" no "Jornal de Negócios".
Pois é! Ando bem activo na minha escrita! Não tenho parado, nem vou parar tão depressa, apesar de, por vezes, ter vontade de desistir de toda esta "luta". Luta esta que é a da necessária dignificação profissional da Fisioterapia. E, por tudo isso, dedico este início de "novo ano lectivo" a todos aqueles que ainda têm "vergonha na cara". Estes precisam de ser promovidos por um qualquer processo de "inflação idiomática". Por outro lado, todos os outros, os que não se importam de trabalhar como fisioterapeutas por três a cinco euros à hora, estes devem ser promovidos a um processo de "deflação idiomática". Devemos, simplesmente, "punir" ideologicamente todos aqueles que se "oferecem" para "trabalhar a todo o custo", ainda mais sendo a Fisioterapia um trabalho tão duro e de grande responsabilização (a minha melhor amiga, também fisioterapeuta, diz que "ganhamos muito pouco para servirmos de gruas").
Todos aqueles argumentos daquelas pessoas que dizem que o dinheiro não é importante ou que o que interessa é o trabalho per si não se apercebem do quão corrosivos são os actos de trabalhar por pouco dinheiro. Cada vez mais as clínicas de fisioterapia "contratam" fisioterapeutas por cada vez menos dinheiro. As boas notícias é que, estando os fisios quase a trabalhar "de graça", qualquer dia deixa mesmo de ser necessário colocar auxiliares de fisioterapia nas clínicas. E, assim, estará atingido um dos grandes objectivos da Fisioterapia portuguesa: extinção dos auxiliares de fisioterapia... mas à custa da incapacidade de os fisioterapeutas portugueses para pagarem as suas casas!...