domingo, maio 31, 2009

Viver saúde (2)

Ontem fui efectivamente ao Viver Saúde na FIL. Entrei por volta das 15h30. Saí por volta das 15h50. Em toda a minha vida nunca gostei muito de supermercados e aquela Feira não passa disso mesmo: de um verdadeiro mercado do corpo. As várias terapias - serão assim tão diferentes umas das outras?... - são promovidas como uma forma de escape face ao mundo, como a solução única e prometedora de cura total de mente e corpo. Camas ortopédicas com efeito vibratório, plataformas vibratórias que, supostamente, ajudam a perder peso, lipoaspiração com laser, terapias não complementares à base de massagens, que mais parecem amassamentos de pão que se prepara para o forno, terapias com pedras e spas libertadores... todas estas terapias competem entre si para erradicar o ser da sua própria unidade. Ao invés de se promover a capacidade de se ouvir o próprio corpo e de se promover a resolução dos conflitos psicofísicos (os quais não podem ser feitos sem um certo nível de "sofrer"), promove-se o escapismo total, a fuga aos problemas e a fuga à (auto)consciência. Estas terapias não promovem a reconstrução do Esquema corporal, promovem a construção de um ser sem corpo e sem expressividade, como se o corpo fosse um inimigo a abater que é a causa indissolúvel dos problemas pessoais.
E depois temos os Pilates, os Chi-kungs, o Fitness na sua mais árdua expressão, em que qualquer semelhança com a lógica do produto e do mercantilismo abrasador é pura coincidência. Aquelas músicas altíssimas, aquela ausência de arte, aqueles exercícios sincopados e massificados, aqueles desportos de violência intrépida... Enfim, quando entrei naquela Feira senti-me como um judeu que visita um campo de concentração. Senti-me profundamente deprimido, por ver quanto a humanidade se perde. É o mesmo tipo de depressão que sinto quando um doente que se adapta ao meu trabalho, ao final de uns meses, me pergunta se agora pode ir para a natação ou para um ginásio de musculação (é a angústia de saber que - apesar de tanto esforço - não consegui passar verdadeiramente o meu conceito ao doente). E os próprios terapeutas?... Fazem formações atrás de formações, não sei se aprendem se sub-aprendem. Fazem os Pilates e os vários tipos de massagem, contribuindo para desintegrar a verdadeira ideia de Corpo como um Todo, uma unicidade fenomenológica que não pode ser reduzida a "tipos" vários de terapias. O bom terapeuta é aquele que reconhece um paradigma no seio de um doente determinado, não é aquele que faz tudo e mais alguma coisa. A meu ver, a super-formação não faz de um terapeuta um verdadeiro terapeuta. O bom terapeuta define-se pela capacidade que tem de experienciar a factualidade do doente e do modelo em que melhor se insere. Portanto, o nosso trabalho só faz sentido se for autónomo, e livre de comercialisses, nomes e mais nomes de técnicas e super-especializações; o nosso trabalho só faz sentido se o doente tiver em mente a transformação plástica e inventiva do doente, independentemente das porcarias que são inventadas e vistas pelos formadores como uma "panaceia".
Sim, meus senhores, caminhamos para um mundo em que a lei do economato toma todas as mentes, praticamente sem excepção, e transforma-as em agentes passivos e sem capacidade expressiva. As diversas formações existentes no campo da Fisioterapia são mais a expressão de um negócio, de um produto, de uma falsa sistematização, do que da Verdade do raciocínio e holismo que se pretende num Terapeuta Global. É, mais uma vez, a sociedade do espectáculo e da indústria a ter prevalência sobre a antiguidade clássica e verdadeiramente Global. Viro-me para onde me virar, não vejo um único terapeuta interessado em ler, estudar e pensar. Só vejo terapeutas interessados em fazer formações e pós-graduações, umas atrás das outras, como receptáculos de um conhecimento recebido acriticamente. Não há "Inteligência" no mundo dos Terapeutas. Por mim, sinto-me bastante sozinho nesta tarefa de agente pensador e crítico do mundo que me envolve. E sinto, cada vez mais, que a distância entre o fisioterapeuta, o instrutor de Fitness, o massagista e a esteticista é cada vez menor. É uma sensação de desolação, de insularidade total... uma angústia e uma solidão ímpares. Mas de uma coisa não tenho dúvidas: prefiro esta angústia, esta consciência, a cair na mentira e na alienação em que caem os proponentes da lógica do mercado. Prefiro viver desolado a anti-depressivos do que ser mais um entre uma indústria de autómatos - aparentemente saudáveis - tomados por um autismo com aspecto de oligofrenia. Sim, nós os portugueses estamos crescentemente mais próximos da lógica anglo-saxónica, estamos verdadeiramente a perder a nossa identidade cultural. E ainda dizem que a Globalização é uma utopia... A Globalização está a destruir-nos e a desagregar a Unidade e a complexidade do Ser. Aqui entre nós, apenas rezo a Deus para que nunca me deixe cair na tentação de perder a minha identidade e a minha idiossincrasia, pois a "Traição do Eu" e a "Loucura da normalidade" (Arno Gruen) são realidades cada vez mais irreversíveis.

sábado, maio 30, 2009

Viver Saúde

Mais uma vez, mais um ano! Viver Saúde apresenta-se-nos na FIL com uma série de produtos - que é mesmo disso que se trata - vocacionados para o trabalho corpóreo, seja numa componente de saúde complementar, seja numa componente de Fitness. É engraçado ver que as grandes empresas estão lá todas: a Manz, o Pilates Institute, o Pilates Studio, o Instituto de Medicina Tradicional, o Instituto Português de Naturologia... e é de tudo isto que se trata verdadeiramente aquilo que - à semelhança do meu artigo na 'Vértice' - denomino de "Cultura do Corpo e Sociedade de consumo". A maioria destas práticas não permitem a verdadeira "reconstrução psicofísica". São produtos, são modalidades, como se fossem uma ementa de pratos de um restaurante, cujo objectivo é alimentar... alimentar, cada vez mais, a ilusão, a desconstrução e a entropia do sujeito face à desagregação do corpo em capítulos e/ou "escolhas", quando, no fundo, o corpo é um só. Dar ao corpo massagem com bambús ou uma sessão de "privação sensorial", ou uma terapia quântica... fica bem fazer estas coisas como quem vai aos cabeleireiros de luxo, aos spas de referência, ou se hospeda nos hotéis mais luxuosos. Por mim, eu que prefiro as salas bafientas do King às salas pipoqueiras comerciais em matéria de cinema, nesta nossa modernidade vencida pela lei do economato e a lógica do marketing, não posso deixar de ver este ViverSaúde como uma Feira do Relógio, que vende produtos e soluções de bem-estar, sempre uma promessa de salvação face ao mundo "exterior" cheio de agressões. E são poucos os que vêem nestas práticas aquilo que eu vejo: mais uma agressão da parte desse mesmo mundo de intrepidez.
Defendo o regresso ao purismo, à visão parcimoniosa do corpo e da saúde, à simplicidade complexificadora do Corpo Uno e Holístico... pois, no fundo, as coisas são tão simples. E o doente, face ao verdadeiro terapeuta, será sempre alguém cuja solução terapêutica - nunca sendo simples - passa por um caminho, por uma evolução, tão melódica e lenta como a evolução da natureza e o desabrochar de uma flor. Nada de soluções rápidas e milagrosas, nada de sapiência ao desbarato, exposta numa feira de esteticização. O trabalho em saúde está, a meu ver, mais próximo do trabalho do historiador que procura e pesquisa em livros bafientos que já ninguém lê ou prescruta. A cultura dos clássicos é a minha forma de estar na vida e, a meu ver, estes terapeutas pretensamente holísticos destas "feiras da saúde" fazem jus aos médicos de Molière. É a cultura da imagem e da beleza. Mas nem é uma beleza conformada ao conteúdo clássico, é uma beleza feita de artimanhas psicológicas e de estratégias mercantilísticas unidas a uma poderosa lógica utilitarista (quantos mais convencemos mais temos e ganhamos).
Enfim!... É a cultura do efémero, do escapismo e do hedonismo. Já Aristóteles foi bastante claro em referir que a felicidade não tinha nada a ver com prazer, mas sim com equilíbrio... o mesmo equilóbrio que falta neste nosso mundo que mais parece uma praça em que cada peixeira grita mais alto que a outra para vender o seu peixe.
O trabalho em Reeducação Postural, para quem o conhece verdadeiramente, não é fogo de artifício, a não ser que consideremos um espectáculo a normal evolução de uma natureza selvagem e singela. Que tenhamos respeito por essa naturalidade intrínseca das coisas...

segunda-feira, maio 25, 2009

De encontro ao conceito de Bobath

Penso que qualquer pessoa que esteja minimamente envolvida na questão da intervenção postural percebe que a temática neurológica e neuro-psicomotora é central. De facto, os princípios relativos à inibição tónica e ao evitamento do trabalho de força muscular relevam-nos, quase inevitavelmente, para a lógica do conceito de Bobath e do Neurodesenvolvimento. Afinal de contas foi o método Bobath que tanta importância deu à temática das compensações e do funcionamento corporal como um todo. Foi também o método Bobath que valorizou o funcionamento cinético por padrões, que pode ser, de certo modo, comparado ao funcionamento das cadeias musculares dinâmicas de Busquet. E, em última análise, o método da Reconstrução Postural, já aqui tantas vezes tratado, é uma espécie de método Bobath adaptado de Mézières. Toda a teoria subjacente ao funcionamento do corpo como um todo - tornando o princípio do isolamento um mito - e ao necessário trabalho de inibição do tónus anormal e das forças excessivas, levam-me a dizer que, de certo modo, a Reeducação Postural está mais próxima da intervenção fisioterapêutica em neurologia do que de qualquer outra abordagem. Até me atreveria a dizer que, num certo sentido, muitos terapeutas do neurodesenvolvimento estão mais preparados para a intervenção em deformidades posturais do que, por exemplo, muitos RPGistas.
Ora, se a intervenção corpórea tem tanto da temática neurológica - e até da psicomotricidade - diria que, atendendo ao facto de que o profissional do Fitness é cabalmente ignorante relativamente a estas temáticas, mais uma vez o fisioterapeuta se revela como o profissional mais capaz de tratar dos problemas ditos de "controlo postural". Até o próprio Pilates, a meu ver, vale mais pelos conceitos neurológicos de "estabilização central" e de equilibração do que propriamente pela visão mais "músculo-esquelética" da coisa.
Assim sendo, posso dizer que o trabalho de Reeducação Postural só faz sentido de ser realizado se adequadamente acompanhado de estímulos proprioceptivos, treino de equilíbrio, treino de coordenação e de placing corporal, entre outras coisas.
Tudo isto leva-me a dizer que o fisioterapeuta de Reeducação Postural tem de ser um fisioterapeuta do todo, sendo que a teoria das Cadeias Musculares não pertence, portanto, a uma área específica da fisioterapia, mas sim integra todas as áreas (as quais remanescem artificialmente divididas segundo fronteiras que não passam de facécias artificiais).
A compreensão do conceito relativo à Reeducação Postural implica a reflexão e a valoração de vários conteúdos teóricos, o que me leva a indignar com o facto de os aprendizes da área não valorizarem os pressupostos teoréticos. Vi, nos workshops que dei, uma impaciência imprópria relativamente ao Conceito, o que é erradíssimo; pois, se o fisioterapeuta teima em ser "técnico" sem Conceito e sem Teoria, então, não passa de mero trabalhador manual sem capacidade de raciocício e sem capacidade de criar qualquer tipo de heurística terapêutica. Um profissional não sabedor não saberá sequer como e onde tocar.
Outra coisa que é importante ter em conta é o facto de que toda esta intelectualização inerente aos métodos neurológicos e posturais é totalmente necessária, pois, se a mesma for desconsiderada, isso notar-se-á indubitavelmente na qualidade do terapeuta que manipula.
Por fim, é importante falar do espírito do terapeuta global. Foi-me pedido por gestores de formação que eu pegasse no meu conceito e o transformasse num produto. Ora, tal coisa é cem por cento impossível. E seria, decerto, cometer o mesmo erro que Souchard cometeu com o RPG. Pegou num método totalmente global e inventivo e criou um produto, com regras, sistemas, e toda uma visão estática. Diria até que 99% das formações dirigidas a fisioterapeutas "educam" o fisioterapeuta para fazer algo de determinada forma e não dão ao fisioterapeuta aquela capacidade que é a de ver globalmente o doente e conseguir adaptar-se à idiossincrasia - única e fenomenológica - do doente. Enquanto partidário da fenomenologia e do existencialismo - e, portanto, da liberdade do processo humano - posso dizer que um doente é, a cada momento que passa, um fenómeno único e irrepetível, o qual não pode ser reduzido a receitas, a fórmulas, e a modus operandis. Daí que a quase totalidade das formações existentes contribuam, na realidade, para embotar mais o espírito de um fisioterapeuta crescentemente "máquina". A verdadeira função da formação deveria ser o de criar a capacidade de lidar heuristicamente com cada situação nova que aparece. O bom fisioterapeuta define-se por essa capacidade de raciocício e de criatividade. E, em particular, o bom fisioterapeuta de Reeducação Postural é um escultor que age segundo o que vê e o que sente naquele precisíssimo momento. Produtos e Indústrias, para isso já basta o Fitness que prescreve exercícios como se fossem medicamentos. O verdadeiro terapeuta global, à semelhança do verdadeiro terapeuta de neurologia, age sem regras, tendo a consciência de que um doente é diferente de qualquer outro doente, e, ele próprio, é diferente a cada momento que passa. O método Mézières possuía essa genialidade heurística; daí que Françoise Mézières nunca quisesse que o seu método se massificasse. Já o RPG é pura indústria, com fórmulas criadas para que um produto fosse vendido de uma forma global e massificada. Portanto, de uma vez por todas, assumo que, entre os diversos métodos de Reeducação Postural, o método de Souchard é aquele que menos serve a verdadeira Globalidade postural do sujeito. E os outros métodos neo-mézièristas também seguem a mesma filosofia de industrialização.
Portanto, para mim, o método Mézières e a Reconstrução Postural, à semelhança do conceito Bobath (nas suas linhas mais tradicionais), são os únicos que servem verdadeiramente o modo humano de se ser. É pena ver que a grande generalidade dos terapeutas não possua a flexibilidade e o livre arbítrio necessários ao trabalho em Globalidade. Pois, entenda-se de vez que a Fisioterapia é sobretudo uma arte, não uma ciência. Entende-se melhor a Verdade da Fisioterapia através do modo ideográfico e singular, um doente como uma obra de arte, do que através de generalizações estatísticas feitas por uma ciência inevitavelmente falível.
Perante a crescente capitalização e massificação do mundo em que vivemos, parece que o que vale é um "nome", uma "marca". Para mim, o doente é um Todo e aquilo que lhe dou enquanto fisioterapeuta é o toque necessário à sua transformação, independentemente do nome que lhe dê.
E como dizia Sartre, "estamos condenados a escolher"...