domingo, junho 21, 2009

Dia mundial do Yoga

Dia 21 de Junho é o dia mundial do Yoga, o qual tem sido anunciado com uma certa rejubilação nos órgãos publicitários mais mediáticos. E dia 21 é também um dia triste para a Saúde mundial, pois, sendo esse mesmo dia dedicado a uma prática que fundamenta a destruição voraz das estruturas ósteo-articulares dos praticantes, este mesmo dia fica, de facto, consagrado à geração Yoga, que podia ser também a Geração 'Estética corporal', que também poderia ser Geração 'Holmes Place' ou 'Viva Fit', Geração 'Fitness' ou Geração 'Wellness'...
Enquanto fisioterapeuta de Reeducação Postural que sou, e sabendo que a saúde reumatológica dos potenciais pacientes que todos somos depende do normal ou anormal estado de tensão das estruturas de tecidos moles que envolvem as articulações, tenho defendido com persistência que a prática contínua de desportos que importancionalizam o trabalho de força, ou então a prática de actividades milenares que desconhecem as bases científicas que permeiam a diferença entre musculatura tónica/estática e musculatura fásica/dinâmica (como o Yoga ou o Chi-Kung), leva inevitavelmente, no longo prazo estrutural, à destruição do “corpus” frágil que todo o ser humano constitui.
É com pena que vejo que, neste nosso contexto 'neoliberal' de frio calculismo mercantil, se tenha criado e consubstanciado um mercado corporal de práticas rituais que, ao invés de propiciarem a verdadeira saúde holística do corpo, propiciam o escapismo e a destruição pela esteticização compulsiva, dando origem a um produto que é na realidade o dos futuros clientes dos fisioterapeutas.
Defendo e tenho defendido que vivemos nos auspícios de uma “indústria do corpo”, que torna o objecto corpóreo, palco do sofrimento psicossomático, vítima de mercados e instituições de puro cinismo lucrativo, sendo que três 'indústrias' são particularmente afamadas: o wellness, as medicinas não convencionais e o fitness. Todas elas têm em comum servirem-se de uma capa de “trabalho de e para a saúde”, com base em estudos científicos que são na realidade pura barganha de 'massa' quantificativa e pobre riqueza conteudística e metodológica, quando, no fundo, arrogam-se a destruir o corpo e a criar a dependência das suas próprias práticas, o que é defensável para o objecto do nosso mundo puro do Capital.
Este, e em especial os produtos quiméricos e um tanto “místicos” como o Yoga, são na realidade o exacerbar do espírito das “Indústrias culturais”, tal como foram compreendidas pelos filósofos pós-marxistas da escola de Frankfurt.
O Yoga exemplifica vivamente o que me pretendo defender. É, supostamente, uma prática milenar centrada na saúde psicofísica do utente. As suas posturas, a sua respiração e, em geral, a sua filosofia, consubstanciam a saúde corpórea global ao mais alto nível. Mas, na verdadeira realidade, qualquer fisioterapeuta reconhece nas ásanas (posturas) do Yoga uma potencialidade destrutiva das articulações sem qualquer margem para limites. Por exemplo, as “torções” e as “invertidas” são perigosíssimas para possíveis e potenciais hérnias discais; as “extensões” comprometem a saúde postural, fortalecendo a cadeia muscular posterior, rica em músculos hipertónicos de grande tensão, que se queria refreada. E a presunção de que o instrutor de Yoga prescreve a diferenciação idiossincrática e potencialmente casuística dos seus utentes ou alunos é pura falácia, pois estas várias práticas, que de Fitness se tratam, apresentam-se particularmente massificadas, criadas para grupos em que não faz qualquer sentido encarar a Verdade fenomenológica do utente.
O dia mundial do Yoga representa, portanto, o dia do Corpo frágil, no sentido em que, sob a capa de um poderoso conteúdo comercialista e um intrépido produto da Imagem propiciada pelo frio 'marketing', esta prática, tal como tantas outras supostamente sábias porque ancilares, alimenta a patologia, sob o disfarce da saúde, a qual se confunde com a diluição de sintomas físicos, esta muitas vezes só e meramente “efeito placebo”.
Tudo aquilo a que me refiro foi bem definido por Baudrillard na sua “Sociedade de consumo”, o qual argumenta que a descoberta do corpo, “após uma era milenária de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual, a sua omnipresença na publicidade, na moda e na cultura das massas – o culto higiénico, dietético e terapêutico com que se rodeia, a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/feminilidade, cuidados, regimes, práticas sacrificiais que com ele se conectam, o Mito do Prazer que o circunda – tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objecto de salvação, substituindo literalmente a alma nesta função moral e ideológica. Significa isto que o corpo não é uma evidência, o corpo é um facto de cultura.”
Também José Gil, no seu “Metamorfoses do corpo” diz «Assiste-se actualmente, depois do esforço psicanalítico, a uma verdadeira invasão do culto do corpo – visível, sobretudo através das dezenas de métodos terapêuticos que florescem nos Estados Unidos. Pretende-se fazer falar o corpo, descobre-se a propósito de tudo e de nada “um discurso do corpo”, pretende-se que ele se liberte ou se exprima. Como se o objectivo fosse, neste momento, descobrir uma língua do corpo à qual se subordinaria qualquer terapia ou outra forma de linguagem: artística, literária, teatral ou simplesmente comunitária. Muito estranhamente, na mesma altura em que esta voga testemunha uma sensibilização crescente pelos problemas do corpo tendente a afirmar a sua importância nos mais diversos domínios, retomam-se velhas ideias, velhos esquemas – idênticos aos regimes de signos que serviram para a exploração do corpo: este tornou-se o significante despótico que resolverá tudo, desde o declínio da cultura ocidental até aos menores conflitos intra-individuais. Uma tal concepção seria inofensiva se não fizesse passar o corpo por o significante supremo que, recobrindo um vazio, faz as vezes de tudo aquilo de que os nossos corpos foram desapossados – pelo menos desde a desagregação das culturais arcaicas. Que corpo é este, em volta do qual se agitam estas terapias? Uma análise superficial revelaria neste campo uma maneira de fazer violência aos corpos – tomando, às vezes, as formas mais nuas de cinismo mercantil.»
Como concordo com este conceito de violência!... Como se me agita a necessidade de constituição de uma nova epistemologia da postura e da motricidade, uma renovada teoria da corporeidade e uma completamente revolucionada metodologia do desporto e da ciência – supostamente rigorosa – que o consubstancia!...
O dia mundial do Yoga representa tudo aquilo que o Corpo é na sociedade actual: um objecto que já não somos, somente temos e consumimos.

sábado, junho 13, 2009

Sobre a importância do Conceito na Fisioterapia

A divisão marxista das profissões em trabalhador intelectual e trabalhador manual implica, de certo modo, uma certa elisão ou clivagem entre duas grandes categorias de actividades: as actividades francamente conceptuais e noéticas e as actividades mais corpóreas. Não denego a importância de se conceber a unidade do concretismo corpóreo na actividade de fisioterapeuta, ainda mais se essa unidade incluir a expressividade e a dramaticidade artística. Mas, reduzir o fisioterapeuta a um profissional que é mero "corpo", corpo de trabalho manual, é privar o mesmo de uma certa capacidade de avaliação de cada segundo de intervenção no doente, assim como é privar a capacidade básica de decisão, a qual está implícita no mais pequeno gesto terapêutico. Daí que ache que o fisioterapeuta deva, por princípio, ser, antes da sua constituição enquanto "trabalhador manual", um pensador, um filósofo. Pois o número de questões a serem pensadas e refreadas é imenso! E o fisioterapeuta nunca poderá constituir um bom profissional sem se acercar de um conjunto de questões teoréticas que esboçam a Teoria fundamental e parcimoniosa da decisão e acção terapêuticas. O mesmo será dizer que é importante que o fisioterapeuta não tenha medo de possuir conhecimento ao nível da epistemologia ou da literatura e das artes, visto que estes mesmos conhecimentos, não só vão transformar o fisioterapeuta num agente autónomo, como só poderão ajudar a promover o fisioterapeuta junto de outros profissionais de saúde.
É por tudo isto, e muito mais, que continuo a resistir à simplificação e estultação da minha linguagem, pois acho que os fisioterapeutas precisam verdadeiramente de se aculturarem. É certo que temos milhares de fisioterapeutas a possuírem pós-graduações e mestrados, mas estas formações académicas são de teor institucional, necessariamente científico; ou seja, o ensino pós-graduado ajuda a formar investigadores, mas não faz dos fisioterapeutas bons pensadores, pois esse mesmo ensino, ao colocar-se nas efígies da actividade científica, evita qualquer teor mais conceptual, porque potencialmente especulativo. É certo que teorias e conceitos podem abranger a subjectividade, a um nível de possível delírio, mas o evitamento da actividade mental especulativa leva a que os fisioterapeutas percam a sua capacidade de "pensar" na totalidade da Fisioterapia enquanto matéria Una e parcimoniosa, e também leva à incapacidade de conceber o doente enquanto "ser que existe" (Sartre), "ser com intencionalidade" ou Ente (Husserl), ou, então, Dasein (Heidegger), ou seja, enquanto Indivíduo com características únicas e irrepetíveis, ligado a um mundo de questões que devem ser pesadas e reflectidas.
Este mesmo mundo da reflexão em torno do "Ser", num sentido mais individual do que colectivo, esboça a necessidade de uma "filosofia da fisioterapia", a qual não é apanágio conteudístico dos cursos de licenciatura, mestrado ou doutoramento, sendo que estes, não só denegam todos os métodos fisioterapêuticos que são mais Arte que ciência (como a Reeducação Postural), como cegam os seus formandos à realidade científica (no sentido mais essencialista e neo-positivista possível), apresentando-a como única forma de interpretar a realidade.
Ora, na realidade, alguém que possua uma perspectiva mais "morfodinâmica" do corpo sabe que a Ciência consubstancia uma forma um tanto parcelar de ver os utentes. Basta o facto de a ciência ter unicamente validade estatística e probabilística para atendermos à sua grande limitação, pois se, por exemplo, em determinado estudo, for obtida uma prevalência de dor lombar em metade dos utentes escolióticos avaliados, ao invés de se suplantar a existência de 50% de indivíduos sintomáticos, mais importante será concentrar-nos na realidade única de cada um dos 50 indivíduos que, apesar de possuirem deformidade, não possuem queixas dolorosas. Ou seja, o estudo demonstraria que em cerca de metade dos casos terá de se entender o fenómeno de uma potencial adaptação patológica mas "natural", que faz com que os indivíduos se tornem um anti-essencialismo.
Que as graduações e pós-graduações criem condições de reflexão, mas verdadeira reflexão especulativa! Pois são tantos e tantos os pós-graduados, assim como são tantos aqueles que vêm ter comigo com formações de 'RPG', 'Cadeias Musculares', 'Sofrologia', e todo um emaranhado de porcarias que enchem o currículo, e, quando falam comigo ou pegam num doente, demonstram que nada entenderam da Essência mais pura do conceito da Reeducação Postural.
Que se finalize esta tendência para as pessoas se encherem de cursos atrás de cursos, graduações e pós-graduações. Estão a querer provar o quê a quem? À sociedade? Que se lixe a sociedade e o seu lixo nesciente! Demonstrar que se possui uma verdadeira maturidade intelectual implica que nem sequer nos preocupemos com o que pensam as maiorias. De certo modo, o homem que é verdadeiramente inteligente, ao jeito de Sartre, refuta as tendências das massas, esse lixo acrítico que só quer material de conhecimento "sem conteúdo". O homem verdadeiramente inteligente prova-o com os actos e com o discurso. Não o prova coleccionando formações ou pós-graduações, sendo que as mesmas não passam de um método utilizado pelas Universidades para "fazer render o peixe". O homem verdadeiramente inteligente é insaciável! Dispensa os formadores. Dispensa as instituições. É anárquico, no sentido em que luta contra as estruturas. O homem verdadeiramente intelectual não cessa de fazer construções, elaborações internas gestálticas, e fá-lo de modo autónomo, crescendo exponencialmente sem necessitar de títulos ou diplomas que só têm importância aos olhos da sociedade estulta.
Que se façam fisioterapeutas com esse aparelhado, com essa capacidade de pensar e de fruir da Verdade mais significante das coisas. No sentido dado por Ibsen, que se faça um "Inimigo do povo". E aí sim!... Teremos o verdadeiro intelectual da Fisioterapia!

quinta-feira, junho 11, 2009

Manifesto de um fisioterapeuta de Reeducação Postural sobre as artroses

As artroses, assim como as diversas variantes de artropatia degenerativa, são o resultado do acumular de diferentes factores nosológicos de importância reumatológica. Mas, na maioria dos casos, a presença de artroses específicas explica-se pela existência de determinada postura ou alinhamento. Pois é verdade, por exemplo, que o alinhamento do membro inferior condiciona a maior ou menor compressão de certas superfícies articulares. O alinhamento da articulação tíbio-társica e da articulação do joelho (nomeadamente, a fémuro-tibial) está fortemente relacionado com o alinhamento geral do membro inferior. E este mesmo alinhamento está relacionado fortemente com o estado de tensão das estruturas musculares. Por exemplo, a postura do pé ou da tíbio-társica depende muito do estado de tensão do tendão de Aquiles e da fáscia plantar, os quais podem ter ou não uma grande ligação com o estado de tensão da restante cadeia muscular posterior. A postura do joelho valgo vs. varo tende, geralmente, a relacionar-se com o estado de tensão das estruturas musculares que pertencem à geografia muscular do joelho. O varismo, mais comum nas senhoras de idade, tende a estar associado a um maior estado de tensão dos abdutores e/ou da banda iliotibial, enquanto que o valgismo relaciona-se mais predominantemente com a retracção dos adutores e/ou também com a retracção da banda iliotibial. O joelho recurvatum tende a provocar lordose lombar excessiva e/ou lordose dorsal. Por outro lado, o estado de conflito da articulação do ombro (conflito sub-acromial) ou da articulação da anca tende a estar associado respectivamente à cifose dorsal e à hiperlordose lombar com báscula anterior da bacia. Daí que um problema de coluna, associado a uma hiperlordose lombar e/ou dorsal, se relacione muitas vezes com a artrose da anca. Mas, no meio de todo um conjunto avultadíssimo de possibilidades, podíamos continuar eternamente a referir exemplos de possíveis correlações, que provavelmente não possuem verdadeiro significado científico (pois, na prática, há todo um conjunto multimodal de casos possíveis, sendo que é sempre preferível conhecer a integralidade da postura de cada doente individualmente, sempre com base numa filosofia de observação e análise idiossincrática).
Mas de uma coisa eu tenho a certeza: é que os diferentes sistemas de eixos de alinhamento da coluna e dos membros, os quais se influenciam uns aos outros, vão condicionar um funcionamento vicioso da articulação, com possibilidades de perturbação biomecânica. Ora, é muito comum os fisioterapeutas realizarem trabalho de mobilidade da articulação com artrose. Considero que tal prática é um erro. Ora, se a articulação possui um alinhamento vicioso, isso significa que o trabalho funcional dessa articulação sem realinhamento prévio pode representar uma sobrecarga de determinadas estruturas articulares. Vejamos o exemplo do joelho valgo. Este significa a existência de uma maior compressão das superfícies articulares externas da articulação fémuro-tibial. Ora, sempre que o doente realizar alguma tarefa funcional, por mais simples que ela seja (exemplo: andar), o doente estará a desgastar aquelas superfícies articulares. Daí que, para mim, é preferível, ao invés de trabalhar, dia após dia, a mobilidade e força daquela estrutura, propiciando grande sofrimento ao doente, mais vale tentar influenciar o sistema de eixos da articulação... desde claro que se entenda o que se está a fazer. Daí que, por mim, realizaria um trabalho de alongamento global, pelo menos da totalidade do bloco inferior da cadeia muscular posterior, tentando propiciar o realinhamento do joelho (mesmo que munido de algum conjunto de manobras mais analíticas de terapia manual... sempre dentro da postura global). Só depois de o ecossistema muscular do joelho ter sido relaxado (e o tónus inibido) e o alinhamento ter sido readquirido (mesmo que parcialmente) é que faz sentido dar mobilidade aquele joelho artrósico.
As artroses são, em todos os indivíduos, uma potencialidade, visto que todos possuímos, em maior ou menor nível, um jogo viciado de tensões musculares e de compressões articulares assimétricas. Somente num indivíduo com equilíbrio angular total, alinhamento absoluto, e total simetria corpórea, o jogo de tensões articulares estaria saudavelmente distribuído. Aí, era preciso que os outros factores contributivos para a artrose - factores hormonais, osteoporose, obesidade, etc. - fossem de expressão muito elevada.
A realização de uma Fisioterapia centrada na mobilidade articular sem prévio trabalho postural é, a meu ver, um absurdo. E, se essa Fisioterapia incluir o trabalho de força muscular, o absurdo é ainda maior, pois esse trabalho de força leva ao aumento do jogo total de tensões musculares (fortalecem-se músculos fracos, mas também se fortalecem músculos hipertónicos das cadeias musculares, pois, como já foi explicado em vários sítios, o princípio do isolamento do trabalho muscular não passa de um mito), contribuindo para fomentar mais desequilíbrio e mais desalinhamento. É certo que uma articulação com artrose é geralmente uma articulação com músculos fracos, mas essa fraqueza tem mais a ver com a fraca qualidade de alinhamento articular, e portanto com a fraca capacidade funcional da articulação, do que com uma real falta de potência muscular. Se o equilíbrio e o alinhamento forem readquiridos, a articulação aumenta a sua capacidade funcional, aumentando automaticamente a força dos seus músculos pela "normal" prática funcional.
A ordem que defendo para a "prescrição" de um trabalho fisioterapêutico para uma articulação com artrose é a mesma que defendo para o trabalho geral em Fitness: alongamento » mobilidade » força » alongamento.
Sei que o tempo que o Sistema nos delega aos doentes não permite o trabalho postural verdadeiramente abrangente, mas como seria bom realizar umas quatro ou cinco sessões bem feitas, com princípio, meio e fim, do que dezenas e dezenas de sessões multiplicadas, constituídas pelo exercício mormente activo (visto que o terapeuta pouco tempo tem para tocar no doente).
A visão das artroses como resultado de desequilíbrios musculares e de uma distribuição assimétrica das forças, associada ao desalinhamento do sistema de eixos articulares, leva, a meu ver, à revolução na forma como são tratadas, não só as artroses, mas a totalidade das artropatias. Por outro lado, o trabalho postural global poderia, a meu ver, prevenir uma boa parte das artroses que se acabam por desenvolver, assim como acho que, no sentido oposto, o trabalho muscular intrépido associado às práticas desportivas modernas e massificadas, poderá levar ao desenvolvimento mais célere da patologia degenerativa.
No meu mundo eutópico, a intervenção postural com base nos métodos holísticos e mézièristas de alongamento global, será suficiente para preservar ou corrigir (mesmo que parcialmente) o bom estado de simetria e alinhamento de um corpo, em que o jogo de forças será o mais perfeito possível.

sexta-feira, junho 05, 2009

Paradigmas e fanatismos

Muitas vezes tenho sido acusado por colegas de possuir um certo fanatismo relativamente ao modelo da Reeducação Postural. Ora, acontece que, longe de querer negar que, por vezes, sou um pouco radical, devo dizer que é bastante comum o profissional de saúde especializado funcionar segundo um modelo preciso. É que, por qualquer razão, mais de teor subjectivista do que objectivista, o proponente de determinada teoria ou modelo tende a agarrar-se a ele como se a fidelidade ao mesmo fosse a razão de ser e de se "manter" (seguro de si).
Eis que surge o momento de dizer que também eu sei e consigo atender à possibilidade de que a Reeducação Postural possa não significar a resposta para tudo. Um exemplo que considero constituir uma contra-indicação ao trabalho de Reeducação Postural é a presença de hérnia discal com nevralgia. Há uma certa tendência para a intervenção postural não abonar a favor de ciáticas ou braquialgias. E, portanto, neste domínio, acabo por preferir a realização de algum tipo de terapia manual. Por outro lado, também não há razões para negar a pertinência de imiscuir métodos diferentes ou técnicas aparentemente contraditórias... desde, claro, que não se dê "uma no cravo e outra na ferradura".
Daí dizer que há casos que, pela sua gravidade, impedem a efectuação de certas posturas, assim como, no campo neurológico, nem sempre é possível realizar uma intervenção qualitativa com base no equilíbrio, simetria e evitamento de compensações. Vejamos o exemplo de um indivíduo que possui parcas capacidades de recuperação. Ou vejamos a situação de alguém, que até possui algumas capacidades para se adaptar ao modelo de intervenção segundo Bobath, mas que, pelo facto de possuir uma certa emergência de realização de funções e de obtenção de autonomia, não pode ser incluído no nosso trabalho.
No mundo da Reeducação Postural tenho notado, por exemplo, que há pessoas que possuem certas posturas que, apesar de necessitarem de ser contrariadas, acabam por resistir fortemente a qualquer tipo de tratamento morfodinâmico. Ou seja, por vezes, encontramos indivíduos cujas estruturas são de tal forma "anquilosadas" que não é possível fazer promessas "infantis" relativamente a uma transformação postural cabal. Temos, portanto, de ser capazes de reconhecer que há situações que não podem mudar de um dia para o outro, ou que não podem mudar de todo. Tal como no âmbito psiquiátrico, não podemos esperar que uma personalidade se reestruture abruptamente, se é que não haverá casos em que é impossível obter mudanças significativas na estrutura personalística...
Há, portanto, pessoas que estarão condenadas a ganhar mais com os calores húmidos, as massagens e os medicamentos, do que propriamente com uma intervenção mais globalista. Há pessoas que se adequam melhor ao "crack" de um terapeuta manual ou de um osteopata do que propriamente ao trabalho de "libertação mio-fascial". E o que é certo é que, por vezes, há possibilidades de, arrumando os doentes nos diferentes paradigmas segundo o que vemos e avaliamos inicialmente, errarmos na escolha do modelo. Por exemplo, determinado indivíduo com grande tensão muscular e/ou escoliose pode ser visto como estando adaptado ao modelo da Reeducação Postural, mas, com a evolução de todo o processo, acabamos por perceber que as dores que a pessoa (in)suporta não justificam o trabalho que está a ser realizado. Portanto, não deixo de compreender aquelas pessoas que preferem um anti-inflamatório ou a acupunctura relativamente a um fisioterapeuta de globalidade, assim como há pessoas que reagem melhor à simples massagem do que a um trabalho de alongamento mio-fascial.
Interessa, portanto, compreender que: (1º) Não há verdades absolutas, há sim várias verdades, várias "epistemis" (Foucault) e vários "paradigmas" (Thomas Kuhn); (2º) Importa incluir o doente adequado, com a condição adequada no modelo de trabalho igualmente adequado; (3º) Tal inclusão respeita não só ao que é decidido inicialmente como no respeitante à evolução da condição, o que significa a necessidade de o fisioterapeuta (e, por isso mesmo, apenas ele...) ter de reavaliar a situação continuamente; (4º) A escolha do modelo de intervenção cabe não só ao profissional de saúde como ao doente, visto que é este que tem determinados objectivos, planos de vida, necessidades de maior ou menor autonomia e/ou expectativas determinadas; (5º) Nada impede o trabalho multimodal, com inclusão de mais do que um tipo de intervenção, desde claro que as intervenções diferentes não sejam mutuamente exclusivas (tratar uma hemiplegia com recurso a Bobath e Constraint-Induced Therapy e logo a seguir treinar a função do lado remanescente é, claro está, incoerente! Ou, por exemplo, tratar um doente com lombalgia com recurso a Mézières ou ao RPG e depois fortalecer os extensores dorsais releva-nos para o campo da incompatibilidade metodológica); (6º) Nada impede o trabalho multidisciplinar, apesar de que, a meu ver, é sempre bom quando um profissional com que o doente se identifique mais assuma o papel de protagonista do processo de intervenção.
Apesar de não deixar de ser fiel ao meu modelo, e de acreditar na possibilidade de o meu modelo explicar coisas que outros modelos não explicam, nunca poderei esquecer a "história da sangria" que me foi contada uma vez por determinado mestre: um doente do século XVIII foi tratado com recurso à sangria, tendo, mais tarde piorado. Os médicos da altura aumentaram o número de sangrias, e o doente continuava a piorar. Até que um dia o doente morreu. E o que é que os médicos concluíram? Que não realizaram sangrias suficientes!...