domingo, junho 20, 2010

Classes de Reeducação Postural

As pessoas que seguem mais de perto o meu trabalho no CCR sabem que realizo várias classes de Reeducação Postural e Pilates por dia. Este trabalho não possui, obviamente, as mesmas virtudes que sessões necessariamente individuais. Porém, em matéria de motivação, é bastante mais fácil, tanto para mim como para o doente, a manutenção de um “trabalho” longo numa dinâmica grupal.
Esta mesma dinâmica – de grupo – é claramente diferente do trabalho da fisioterapia individual. Num certo sentido, o trabalho de grupo trai um pouco os princípios da Fisioterapia em geral e da Reeducação Postural em particular; por outro lado, atendendo ao trabalho cada vez mais massificado das clínicas, mesmo da Fisioterapia pretensamente individual, diria que prefiro o meu trabalho àquele que muitas vezes observo.
Mas, mantendo-me num certo percurso argumentativo, diria que a forma como trabalho poderá, de algum modo, trair muito do que digo há vários anos sobre Reeducação Postural. Não obstante tal traição, gosto deste meu trabalho e desta minha dinâmica. Mas, não deixa de haver um componente que muitas vezes me frustra: o componente pedagógico. É que as classes são, na realidade, o contexto excelente para a introdução de certas componentes de Ensino em Fisioterapia. Mas a verdade é que muitas das pessoas que participam nestas classes não entendem esse mesmo objectivo pedagógico, não querendo muitas vezes esforçar-se ou implicar-se num trabalho verdadeiramente “educativo”. E é com pena que muitas vezes me apercebo de que tudo aquilo que estive a ensinar entra em “saco roto”... Por outro lado, não deixa de ser algo intrincada esta coisa de realizar um trabalho de “Educação Física” em indivíduos que estão, na sua maioria, pobremente escolarizados...
O trabalho grupal é, num certo ponto de vista, o futuro da Fisioterapia, pois já é praticamente impossível subverter esta evolução – a que assistimos diariamente – da Fisioterapia convencional para um trabalho mais parecido com o Fitness globalizado. Não sei se é suposto resistirmos a esta evolução. Mas de uma coisa estou certo: é preferível fazermos a “diferença” no seio desta evolução, do que simplesmente nos deixarmos vencer. Daí que defendo, como já tanto o fiz, que os fisioterapeutas têm de estar envolvidos nas aulas daquilo que podemos denominar de “actividades de baixo impacto”. E se essas actividades implicarem a compreensão sincrética de uma semelhança no significado das diferentes actividades físicas, então estamos verdadeiramente no caminho do progresso. Veja-se o exemplo do PNF-CHI. Integra modelos aparentemente diferentes, apregoa a actividade motora “facilitatória”, e tudo num contexto de marketing poderosamente bem sucedido. Também o PNF-CHI parece entrar numa dinâmica de “Fitness” que não me agrada. Mas talvez seja este o caminho certo: ao invés de “lutarmos contra”, tentemos uma certa “integração”...
No dia a dia, quando efectuo as minhas classes, devo confessar que não me sinto “trair-me” pela inclusão de um “factor comercial” no meu trabalho. Isto acontece porque, não obstante estar a trabalhar no sentido contrário ao que moralmente apregoo, não deixo de gostar da dinâmica em que laboro no dia a dia.
Cada pessoa, cada terapeuta, deverá pensar todos estes elementos. Por exemplo, sei que há fisioterapeutas que preferem trabalhar na Fisioterapia convencional, mesmo que a baixos preços. Admiro essas pessoas, apesar de que também elas se vendem e vendem a própria Fisioterapia (desta vez pela mera razão de que estão a trabalhar a baixo custo...). E sei que há quem trabalhe em contextos complexos, mas sempre com amor pela profissão. Não sendo despicienda a existência de uma certa e potencial “alienação”, construída logo no decorrer dos cursos, ainda assim o que interessa verdadeiramente é a felicidade, a qual é, na realidade, a mesma coisa que a percepção pessoal da felicidade (não a percepção dos outros).

sexta-feira, junho 11, 2010

Falta de objectividade da Comunicação Social

Assisto, de boca aberta ao seguinte “fenómeno”: No site do Jornal “I”, podemos ler: “Caso PT/TVI: Inquérito conclui que Sócrates mentiu no Parlamento”. No site do “Público”, lemos: “Relatório PT/TVI: Primeiro-ministro mentiu ao Parlamento”. No site do “DN” lemos: “Governo e Sócrates “tinham conhecimento” da operação”. E no site do “Expresso” podemos ler precisamente: “Relatório não prova mentira de Sócrates”. Parece que este último jornal terá lido o relatório em causa “de outra maneira”, supostamente “na íntegra”. Mas aquilo que concluo verdadeiramente de tudo isto é que a Verdade dos factos parece querer ser aquela que dá jeito a cada um. Em particular reparemos na atitude que certo jornal tem tido ao longo de anos relativamente ao Governo...
Reparemos, sobretudo, como é possível conseguir que a “mesma” verdade possa ser interpretada de maneiras tão diferentes... Assusta-me que o conceito de Objectividade seja realmente tão frágil por entre esse meio que é o da Comunicação Social...

quinta-feira, junho 10, 2010

A Ordem dos Fisioterapeutas: será uma ilusão? Um manifesto

Peço-vos: não se acerquem da ilusão que um certo “utilitarismo maioritário” tem concebido relativamente a uma futura Ordem dos Fisioterapeutas. No plano teórico, a Ordem será muito bem vinda, e todos devem contribuir para a “petição”. Mas, no plano prático, as coisas não são assim tão simples.
Na realidade, a Associação Portuguesa de Fisioterapeutas pede aos seus associados para subscrever uma petição, que, se for a bom porto, permitirá tornar os fisioterapeutas “bem colocados” da APF num órgão ainda mais poderoso: uma Ordem. A APF precisa dos seus associados como combatentes em nome de um órgão que irá, supostamente, tornar os fisioterapeutas profissionais mais autónomos e reconhecidos.
Em tempos, os enfermeiros também tinham a mesma ilusão. Mas, como veio a verificar-se, a Ordem dos enfermeiros tornou-se um organismo totalmente anémico, incapaz de exercer qualquer tipo de pressão, ou de realizar qualquer tipo de acto licencioso capaz de “ajudar” verdadeiramente os profissionais. Perguntem aos enfermeiros se se sentem “reconhecidos” pela sua Ordem...
Assumindo que a “nossa” Ordem não irá cair na pura “ineficiência” dos “enfermeiros”, devo dizer que a Ordem dos Fisioterapeutas, um pouco à semelhança dos sindicatos, só poderá vir a favorecer todos aqueles fisioterapeutas “velhos do Restelo” que se encontram bem colocados nos Hospitais e Centros de Reabilitação. Já a grande maioria dos jovens fisioterapeutas, muitos deles a ganharem a recibos verdes, e eventualmente a trabalharem em conjunto com auxiliares de fisioterapia e médicos fisiatras nas clínicas existentes, não conhecerão qualquer tipo de vantagem com uma pretensa Ordem; esta só fará com que aumente o nível de conflito (já existente) entre os diversos profissionais, os quais têm que inelutavelmente trabalhar como equipe.
Pergunto: quem fará parte da administração da Ordem? Provavelmente os membros da Associação. Pergunto: que vantagens possuo em fazer parte da APF? Descontos nas suas próprias formações? Acordos inúteis com outros Organismos? Divulgação de cursos ao preço de 200 euros? Divulgação de um Boletim que já quase nem é impresso?
Pergunto: Que fez a Associação para impedir a abertura indiscriminada de escolas de Fisioterapia? (Teremos consciência de que os membros da APF são, na sua maioria, professores nessas diversas escolas?...)... Que fez a APF para divulgar o mundo da Fisioterapia nos meios da Intelligentsia portuguesa? (Sozinho, publiquei mais artigos na Comunicação Social do que todos os membros da APF, presidente incluída, em conjunto). Que fez a APF para divulgar a verdade deste mercado grosseiro das múltiplas formações pós-graduadas? (Antes pelo contrário, ajuda e apoia um mercado que explora os jovens fisioterapeutas)... Podia continuar eternamente... Claro que a pergunta “final” é óbvia: Se a futura Ordem vai ser constituída por membros da APF, quem me garante que a Ordem vai fazer mais do que a APF tem feito?...
Já sei o que vão responder... A Ordem possui maior poder e legitimidade de intervenção que uma simples Associação. Daí a necessidade de criar uma Ordem, a qual possuirá maior poder “persuasivo”. Que grande ilusão!... A Ordem visa dar poder a quem quer poder! A Ordem visa dar lóbis e “cadeiras douradas” aos que já estão bem instalados! Pois, na realidade, nem sequer as entidades patronais se preocupam com a nossa suposta Ordem. Não são as nossas Cédulas reconhecidas unicamente pelo Ministério da Saúde?... Cédulas algumas em que os nossos colegas são identificados como “Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica”...
A realidade real das coisas tem demonstrado que as Ordens em geral não passam de organismos de abuso de poder, muitas vezes completamente descaracterizados e distantes da realidade dos profissionais. A “Elite” quer existir às nossas custas, mas não poderá resolver a nossa situação.
Acho que, no fundo, é mais fácil, para o nosso reconhecimento e autonomia, provar junto das nossas entidades patronais, principalmente se forem médicos, as nossas verdadeiras capacidades intelectuais e pragmáticas. É o que tenho feito junto dos meus “patrões” e todos os outros colaboradores, o que me permitiu, com o tempo, crescer na “empresa”. E digo-vos que a directora clínica da Clínica onde trabalho (médica fisiatra) tem demonstrado muitas vezes mais reconhecimento pelo meu trabalho e qualidades do que a simples recepcionista ou a mulher da limpeza...
Pensemos menos em formações! Pensemos menos em Ordens ou Sindicatos! Pensemos menos em soluções de “outros” relativamente à nossa vida. Pensemos mais nas nossas próprias qualidades heurísticas, na nossa capacidade competitiva, na nossa capacidade para conseguir “crescer” e mostrar que somos mais eficientes que muitos “outros”. Este tipo de “combate constante e competitivo” não existe para aqueles que já estão bem instalados (e encostados) nos diversos hospitais que por aí abundam...
Não coloquemos muita fé numa suposta Ordem. Esta gosta, muitas vezes, de exercer o seu poder de forma supostamente arbitrária. O nosso reconhecimento e autonomia estão dependentes, acima de tudo, das nossas capacidades, as quais devem basear-se num exercício de Liberdade (responsável). A Ordem dos Fisioterapeutas não será eficiente. Se o vier a ser, então transformar-se-á em mais um organismo de mero exercício de Autoridade.

sexta-feira, junho 04, 2010

O problema da demarcação e a sociedade aberta

Há quem se refira a um hipotético “Choque de civilizações” para se referir às diferenças, sabidamente tonitruantes, entre os valores que medeiam as sociedades ocidentais, conhecidas entre nós como sociedades evoluídas, e os valores que consubstanciam o funcionamento das sociedades ditas “fechadas”. A questão deste texto trata de saber se as diferenças referidas poderão ser “objectivadas” cientificamente, ou se continuarão a ser exclusivos do campo do preconceito com base num certo relativismo histórico-social.
Sabemos que existe, nos tempos que correm, uma tradição pós-modernista de carácter assaz historicista que pretende que o nosso conceito de “banalidade do mal” (Arendt) não passa de uma forma de subjugação das sociedades orientais a uma hipotética superioridade do ocidente. E sabemos também que até existe toda uma verborreia psicologista que pretende relativizar o impacto de certos fenómenos que os ditos “ocidentais” pretendem criminosos (como a pedofilia ou a excisão genital feminina).
Não sendo de negar o realismo pragmático de um certo relativismo, algo que terá de ser necessariamente respeitado por todos os actores sociais das ditas sociedades evoluídas, existe aquilo que podemos designar por um “limite da tolerância”, correspondente provavelmente ao “intolerável” (e este “intolerável” é-o independentemente das razões psicossociais - conscientes ou inconscientes - que subjazem a determinado fenómeno de natureza imoral). Mas este mesmo “intolerável” só poderá existir “realmente” se, de algum modo, consubstanciarmos a existência, também ela “real”, de Valores ético-morais.
Sejam ou não de base explicativa bio-genética e evolutiva, os invariantes que conhecemos por Valores permitem a construção de critérios de funcionamento sócio-moral. Mas estes mesmos critérios não possuem qualquer sustentação se o agente que os constrói não possuir um verdadeiro espírito de “racionalismo crítico”. Pois não terão sido Platão, Hegel e Marx profetas, supostamente hipermorais, teóricos de uma sociedade perfeita, construtores de uma escala de Valores que veio mais tarde a revelar-se enganadora?...
Karl Popper, no seu “Sociedade aberta e os seus inimigos” faz a análise destes – para utilizar a expressão de Berlin – “inimigos da liberdade”. E essa sua análise não pode ser separada daquilo que o mesmo entende como o critério da demarcação (referido primacialmente em “A lógica da descoberta científica”) entre científico e não científico (poderíamos dizer entre racional e irracional): a falsificabilidade.
Ora, atendendo a que, de certo modo, determinados Valores, no sentido da sua conversão em regras morais, possuem um carácter ambíguo e redundante, que o mesmo será dizer que nem sempre a temática “política” se move pela unanimidade moral de intentos, resta à ciência, à verdadeira ciência pura, exacta e falsificável, a criação desse já citado critério (de racionalidade) que permite, na teoria, descartar falsas ideologias libertaristas. Reside, portanto, a meu ver, na ciência, principalmente a popperiana (que não se baseia num realismo ingénuo, como a dos neo-positivistas, mas também não recai na infinita “multiplicidade de olhares”), a função de determinar aquilo que pertence ou não a uma escala de Valores instituída com visão única na Liberdade.
Porém, a constituição de uma ciência contemporânea, conhecida por pós-modernismo, vem abalar toda a presunção de uma objectividade moral, pelo menos se nos propusermos a aceitar o que foi dito anteriormente.
Acredito, no entanto, que a ciência pós-moderna se baseia num grande mal-entendido. É que dizer que o Homem se move por um conjunto de factores inúmeros que se movem uns pelos outros num suposto “efeito borboleta” – o que acarreta, obviamente, um certo relativismo, assim como o tratamento das ciências sociais e humanas no prelo de um estatuto autónomo – não é o mesmo que dizer que o Homem está preso a uma máquina de indeterminismo. Ou, traduzindo numa linguagem “quântica”: dizer que existe um incomensurável conjunto de colisões entre partículas, não completamente mensuráveis pelo homem (sem que o mesmo altere esse mesmo estado cinético), não significa que não exista um limite virtual para o conjunto dessas colisões (futuramente mensuráveis).
Ora, se a própria evolução da ciência propõe um controlo futuro do conjunto imenso de factores que enformam o agir humano, o necessário determinismo que daqui advém acarreta a cientificação plena das temáticas sociais, o que, por si, acabará por acarretar a construção de uma criteriologia que esboce a edificação de uma sociedade aberta e de relações internacionais basilarmente morais (na mais pura das axiologias).
Somente a vontade de continuarmos a viver como “animais irracionais”, ao sabor de um certo evolucionismo retrógrado e instintivo, poderá fazer com que a “sabedoria das nações” (Beauvoir) não se delineie na plenitude. Até agora, parece que a história do Homem tem sido a história de um poderoso Id. Talvez esteja na hora de nos constituirmos como seres amplamente Humanos. Talvez esteja na hora de nos começarmos a guiar pela verdadeira Razão.

Filosofia enquanto ciência? A escola analítica

Falar da filosofia enquanto mãe de todas as ciências não passa de pura vanidade. Pois, na realidade, a filosofia, enquanto prática mais ou menos literária ou mais ou menos silogística, existe há muito mais tempo do que aquele em que o “Logos” passou a ser matéria banal. Mas, é bem certo que as relações entre a filosofia e a ciência estão longe de estar completamente reiteradas, apesar de que é certo – ou foi certo, até ao século XIX – que a matéria filosófica passa mais por doxa do que por matéria falsificável.
A filosofia grega mais ou menos essencialista, a patrística e a escolástica, a filosofia do renascimento e das Luzes, assim como toda a restante que passa por “moderna” (compreendendo que este “período” se finaliza com Nietzsche), é, apesar das suas diferentes áreas e dissemelhantes escolas, matéria essencialmente especulativa. Esta filosofia tende a confundir-se muitas vezes com “história da filosofia”, pelo menos no que respeita à prática contemporânea de um pensamento já pensado pelos autores canónicos. Queiramos ou não, a filosofia dita “historicista” tem mais a ver com exercício hermenêutico do que propriamente com uma actividade dita científica. Não existe nela a “metodologia” que é necessária à constituição de matéria adequadamente testável, ou pelo menos não existe simplesmente um “método”.
Sabemos que a divisão da filosofia europeia em dois tipos de praxis pensante – filosofia anglo-saxónica e filosofia Continental (o C maiúsculo é propositado) – nasce, pelo que é legítimo considerar da divisão da filosofia em empirismo britânico (desde o empirismo propriamente dito de Locke até ao empirismo radical ou idealismo de Hume) e racionalismo continental (Descartes, Leibniz, Spinoza), no século XVII, tendo a sua aparente resolução “construtivista” em Kant, no século XVIII. Ora, esta tradição tende a manter-se em pleno século XX, com os países anglófonos a serem essencialmente empiristas e os países do Continente a serem essencialmente dados à “razão historicista”. Mas, ao contrário do que se possa pensar, a tradição do século XVII tem pouca influência na divisão de escolas da contemporaneidade, sendo que o empirismo lógico pouco ou nada tem (inicialmente) de idealista, enquanto que a filosofia Continental pouco mantém das minudências cartesianas.
Enquanto o continente se mantém relativamente apegado aos grandes pensadores, no formato de novas filosofias como a fenomenologia, o existencialismo, o estruturalismo e a filosofia pós-marxista (portanto, mantém-se como matéria ainda essencialmente especulativa e não científica), nasce, nos países anglófonos, uma tradição de análise supostamente científica da filosofia. Trata-se da filosofia analítica. Esta filosofia pretende tratar os diversos temas filosóficos (à excepção da metafísica e de outros temas dificilmente “comensuráveis”) com recurso à dissolução logicista das matérias linguísticas em questão. E parece que esta tradição do “Tratado Lógico-filosófico” de Wittgenstein e da obra de Russell colheu bastantes fãs, pois, de tal modo a filosofia parecia cientificar-se que os pensadores do Círculo de Viena fizeram uso deste material da Lógica para poderem exprimir a sua filosofia neo-positivista (também chamada de positivismo lógico). Ao que parece, uma grande parte dos filósofos anglo-americanos passaram, de certo modo, a considerar a filosofia (analítica) como matéria científica. Não devemos claro confundir a filosofia analítica com o neo-positivismo, supostamente epistemologia científica, cuja cientificidade viria a ser dominada pela contradição popperiana do princípio da observação.
A ciência aqui estava na forma de trabalhar da filosofia analítica, a qual chegava a dispensar a leitura dos filósofos do passado, tal como um físico não precisa de ler Newton ou Bohr para construir uma bomba atómica. Mas também esta filosofia dita científica viria a falhar na explicação da “enormidade” do mundo. É que, não só Gödel viria a mostrar que nem tudo é matemática ou linguística, como os próprios filósofos analíticos iriam mergulhar numa espécie de esquizofrenia idealista, criando uma brecha para um tipo de filosofia solipsista baseada na análise linguística sem relação com a Realidade real. Lá ficou pelo caminho a pretensão de constituir uma filosofia inteiramente científica.
Em jeito de curiosidade, note-se que os diversos caminhos da filosofia continental também levaram à análise das estruturas linguísticas (numa tradição essencialmente estruturalista, inicialmente meramente formal e semiótica), e também estas acabaram em exercício “idealista”, perpetrado fundamentalmente pelo desconstrucionismo de Derrida.
Conclusão: apesar de existir ainda uma forte tradição analítica, e apesar de a filosofia historicista das grandes obras ser ainda aquela apaixonante e dominante forma de fazer filosofia, o pós-modernismo – a tendência mais moderna e pragmática de fazer filosofia (e, ao contrário do que é dito, algo que merece grande consideração) – assume-se como a nova grande forma de fazer filosofia, que é precisamente a forma de filosofar mais longínqua que alguma vez existiu da forma de fazer verdadeira ciência.