quarta-feira, outubro 13, 2010

A propósito da Fisioterapia em Portugal... para brasileiros

Tenho absoluta consciência de que, desde a sua criação, o meu blogue tem sido visitado sobretudo pela população brasileira. Não é difícil perceber porquê, visto que o blogue é sobre ‘Reeducação Postural’ e especificamente a ‘Reeducação Postural Global’ está (há muito tempo) inflacionada no Brasil enquanto tema dominante, e visto também o meu blogue ser “internacional”, por pertencer ao ‘Google’. Devo dizer que tenho, à custa das visitas dos colegas brasileiros, esboçado muitos conhecimentos, assim como tenho feito amigos e companheiros de ‘MSN’. E já no passado publiquei aqui um texto em que falava um pouco sobre o meu conceito de Fisioterapia no Brasil, o qual é bastante positivo; na realidade, a Fisioterapia no Brasil apresenta um nível de desenvolvimento científico, tecnológico, interdisciplinar, académico (incluindo a existência de ‘especializações’, as quais não existem em Portugal) e social muito superior ao de Portugal.
Tudo isto vem a propósito de uma questão que me é feita muitas vezes pelos fisioterapeutas brasileiros: a situação da profissão e da formação em Fisioterapia em Portugal. O objectivo – claro – é o de alguns dos colegas do “país irmão” visitarem Portugal e, eventualmente, trabalharem cá. Ora, pretendo, neste texto, responder precisamente aos colegas brasileiros que têm essa pretensão...
Na realidade, nada me dá mais prazer do que receber colegas de profissão aqui no nosso pais. Mas, não querendo de forma alguma ter quaisquer segundas intenções ou frustrar a vinda dos colegas, devo desde já dizer que, a cada segundo que passa, merece cada vez menos a pena visitar Portugal.
Há uns anos atrás, arranjar emprego em Fisioterapia em Portugal era relativamente fácil, mas, precisamente porque havia grande oferta de empregos, e também devido à falta de legislação associada a múltiplos corporativismos, o número de escolas de Fisioterapia passou de quatro ou cinco para 17. Ora, isto fez com que, em poucos anos, o número de fisioterapeutas aumentasse exponencialmente. Temos, efectivamente, no tempo presente, fisioterapeutas a mais para as necessidades actuais do mercado português (e este evolui à velocidade da tartaruga...). E, acrescentando a isso a emergente crise económica do nosso país e a consequente desvalorização monetária e social da Fisioterapia (e das suas tabelas financeiras), a profissão é cada vez mais mal paga. Para além disso, a situação da maioria dos fisioterapeutas portugueses é precária, com entradas para a Função Pública há muito congeladas.
Mas os males da Fisioterapia em Portugal não se ficam por aqui. Por exemplo, o curso de Fisioterapia ainda está ao nível do politécnico (apesar de já existirem muitos mestrados e doutoramentos universitários na área), sem especializações, e com um investimento conceptual e tecnológico pobre. Em tudo, ou quase tudo, a Fisioterapia brasileira está mais evoluída que a portuguesa, incluindo o facto de áreas como a ergonomia, a osteopatia e a quiroprática serem, como acredito que devem ser, especialidades da Fisioterapia no Brasil, enquanto que aqui são profissões autónomas, que advogam uma pretensa autonomia profissional e também teorética e metodológica. Posso acrescentar também que, aqui em Portugal, os cursos são crescentemente mal dirigidos (como todos os cursos de outras áreas), com recurso cada vez maior ao facilitismo, incluindo professores sem qualquer “obra académica”.
Poderia acrescentar que os fisioterapeutas portugueses são mal reconhecidos e mal representados socialmente na mente dos próprios portugueses, e que a profissão não possui Ordem ou qualquer tipo de influência política ou corporativa. Nos Hospitais, por exemplo, a Fisioterapia não costuma ter Serviço próprio, é apenas um Departamento integrado num Serviço de ‘Medicina Física e de Reabilitação’.
Ora, a realidade actual é precisamente a de que os fisioterapeutas são muitos e mal pagos, mal respeitados apesar de crescentemente sabedores e capacitados, e que o precário desenvolvimento económico do país não promete o crescimento do mercado e a mudança de mentalidades.
Por outro lado, na minha visão, a Fisioterapia no Brasil possui mais respeitabilidade, mais áreas de intervenção, mais coerência académica e disciplinar, e até mais suporte tecnológico e político-administrativo. É verdade que, à semelhança de Portugal, os fisioterapeutas brasileiros são muitos e que o mercado não absorve todos os que existem, existindo um desemprego pandémico entre os fisioterapeutas brasileiros. Mas essa mesma situação já está praticamente igualada em Portugal (ou para lá rapidamente caminha), com muitos fisioterapeutas portugueses a escolherem emigrar para a França, a Itália, a Suíça ou o Luxemburgo, locais onde as coisas correm aparentemente melhor.
É certo que o Brasil possui um mercado muito esgotado. Mas também é certo que, apesar de muitos brasileiros não o sentirem, a economia brasileira está a expandir-se de tal modo que é provável que a situação no Brasil venha a mudar muito nos próximos anos. Já a crise económica portuguesa não tem perspectivas de melhoras (actualmente até vivemos numa aproximação “virtual” à bancarrota e à implosão dos mercados financeiros nacionais e internacionais), e, portanto, a ideia de que “o mercado é que tem de mudar” não passa disso mesmo...de uma ideia.
Por tudo o que deixo dito, devo então concluir que, apesar de serem – pelo menos por mim – bem vindos a Portugal, é possível que alguns dos fisioterapeutas brasileiros não consigam ter sucesso neste nosso país em crise estrutural profunda. É sempre bom conhecer um país do velho Continente, até porque Portugal tem um lindo património histórico-cultural, mas as perspectivas de encontrar emprego ou boas formações em Portugal é pequena. E a perspectiva de se fazer uma pós-graduação em Portugal parece ‘positiva’, mas não me consigo lembrar de nenhuma área de intervenção da Fisioterapia portuguesa em que os brasileiros não estejam mais desenvolvidos; penso que a diferença poderá residir na própria ‘Reeducação Postural’, com métodos como a base do “Método Mézières” a terem formação em Portugal e sem formação no Brasil.
Por tudo o que fica dito, não posso, no entanto, deixar de desejar ‘Boa sorte’ a quem vem (e também a quem “lá” fica) e ainda mais a quem resolver visitar outros países europeus. Da minha parte, manter-se-ão sempre o apoio e as informações.

(Entretanto, outros aspectos sobre a Fisioterapia portuguesa estão incluídos no meu "Manifesto sobre a emergência de uma fisioterapia pós-moderna", consultável aqui no blog ou em  http://www.hospitaldofuturo.com/profiles/blogs/manifesto-sobre-a-emerg-ncia-de-uma-fisioterapia-p-s-moderna?xg_source=msg_appr_blogpost, texto incluído no meu último livro, «A Clínica do Sagrado (...)»: http://reeducacaopostural.blogspot.pt/2014/02/a-clinica-do-sagrado.html) 

8 comentários:

Luís Coelho disse...

Gostaria de acrescentar um ou dois aspectos ao artigo aqui apresentado. Como é bem sabido, Portugal vive uma crise económica sem precedentes, possuindo uma dívida monstruosa. Apesar de se defender muitas vezes que a dívida tem origem nos excessos do Estado Providência, acredito que a perca da nossa capacidade produtiva e exportadora constitui um motivo mais importante e relevante para o presente. Esta perda de capacidade está relacionada com muitos factores, sendo que um deles consubstancia-se na existência de políticas europeias (comunitárias) que limitam a nossa capacidade produtiva e produziram, no passado, a desvitalização nacional. A Europa, que há muito permanece subsidiária dos interesses do capitalismo neoliberal de mercado (o FMI a representá-lo fortemente), agiu, nas últimas décadas, de modo a desvitalizar a nossa capacidade competitiva, e os nossos políticos, com fome de dinheiro e poder no curto prazo... mas com toda a negligência possível referente ao longo prazo, foram sorvendo o dinheiro comunitário, sendo que só um pouco serviu para obras públicas sem qualquer utilidade.
Agora, em pleno estado de recessão, lá vêm as políticas de austeridade, que mais contribuem para desvitalizar o nosso país! Estas só existem por puro interesse da Troika e nunca poderão produzir uma resolução da nossa situação financeira.
Em breve, a situação que se vive levará ao aumento do crime e à produção de estados de desorganização anómica da sociedade...
Entre todos os problemas que possuímos, há que ter em conta também a perda de direitos relativos ao Serviço Nacional de Saúde e também à Educação. Os colegas do Brasil podem imaginar agora como fica a situação dos fisioterapeutas portugueses. Não só a formação profissional perde qualidade, como todos nós tendemos a perder doentes, seja porque o Estado investe menos na Fisioterapia portuguesa (e na Saúde em geral, incluindo o transporte de doentes), seja porque os potenciais doentes têm menos dinheiro. E a pouca Fisioterapia que se vai fazendo é cada vez mais massificada e mal paga, sendo que se deve acrescentar que pagamos cada vez mais impostos (principalmente os trabalhadores «precários», que constituem uma boa parte dos jovens fisioterapeutas portugueses).
Podia continuar eternamente, mas fica aqui uma pequena súmula da situação do nosso país. Assistimos, cada vez mais, à vontade de muitos portugueses irem para o Brasil... e mais não digo!...

Jhons Cassimiro - CREFITO 195551-F disse...

Olá colega fisioterapeuta. Gostei de seu texto, bem esclarecedor. Não sabia que aí em Portugal não há especializações em fisioterapia, mas já sabia que o Brasil está entre os países onde nossa ciência é mais organizada. Queria esclarecer uma coisa a respeito da grande oferta de fisioterapeutas desempregados que há aqui. Isto se deve ao fato da não valorização do profissional por parte da classe política, e não por existir pouca demanda de serviços. Infelizmente, no final das contas, quem sofre mais é a população pobre que necessita, mas não dispõe de fisioterapia, apesar do incrível número destes profissionais diplomados. Falei a respeito disso em meu blog, se interessar, leia o post a seguir: http://rascunhosdefisioterapia.blogspot.com.br/2014/03/a-fisioterapia-e-as-semanticas-da-vida.html

Abraço!

Luciana disse...

Caro colega fisioterapeuta, vivi em Lisboa de 2009 a 2012 e esta foi exatamente a minha visão sobre a fisioterapia em Portugal. Agora, diga-me uma coisa, após 04 anos, agora em 2014, sua visão continua a mesma ou as coisas mudaram?

Luís Coelho disse...

Olá Luciana. Penso que as coisas, agora, mantêm-se na mesma, eventualmente até pior. Daí a intensa emigração que se tem verificado nos últimos anos, com muitos colegas a irem para França, entre outros países.

Fisioterapeuta Sílvia Félix disse...

Boa tarde a todos os colegas, sou fisio portuguesa, e de facto também vários colegas brasileiros me tinham colocado a mesma questão, ao qual dei uma resposta semelhante ao colega.
As coisas de 2010 a 2014 agravaram-se e muito,o mercado de trabalho completamente saturado, temos colegas nossos a dar formação em escolas profissionais de estética a formar massagistas e as chamadas "terepeutas de SPA" o que é lamentável...quase todos os jovens fisios portugueses trabalham a recibo verde...sem direito a férias, licença de maternidade, 13º salário nem a subsidio de desemprego.
Portugal é pequeno para tantos fisios a serem formados todos os anos lectivos, muitas escolas mas a formação brasileira a meu ver é bem superior. Aqui para sermos bons temos que pagar bem as formações extra universidade...
Fora a tal crise económica que afecta de momento todos os Portugueses directamente ou indirectamente.
Sou Fisioterapeuta há 10 anos, depois da licenciatura fiz mestrado em cuidados paliativos, eformação em terapia assistida por animais, trabalhei sempre a recibo verde, mas entre 2005 e 2010 havia imenso trabalho a recibo verde, mas com a crise perdi todo o trabalho, investi o que tinha na abertura do meu próprio gabinete e como as circunstancias são as que são não funcionou porque os portugueses não têm dinheiro para pagar os 15 euros por sessão ( o que era muito mal pago). Portanto empurrada por isto tudo tive que emigrar,como muitos colegas. E aqui pela primeira vez sinto-me tratada com o respeito de ser Fisio. Portugal por muito que me dizer não é o pais ideal para viver... a não ser quem tem a sorte de ter um emprego...dinheiro...e vida estável...para aproveitar os nossos castelos...restaurantes maravilhosos...praias fantásticas... Cumprimentos

Unknown disse...

Fisioterapeuta Armindo Sénica.Caro colega tenho graduação e posgraduação pela PUC PR,trabalhei
em Portugal de 2005 a 2008 e constatei tudo isso que esta sendo dito.Ainda os fisio são subjugados a um tal de dr fisiatra que nada entende de fisioterapia e estão completamente fora da realidade da medicina atual.Infelizmente penso que essa realidade triste não irá mudar taõ cedo.Aconselho que trabalhar como fiso em Portugal é realmente uma furada.concordo com tudo o que foi dito,infelizmente!

Anónimo disse...

Gostaria de saber da colega Silvia, onde encontra-se atualmente?
Sou fisioterapeuta há 18 anos e também trabalhei em Portugal no ano de 2005 e tive a mesma experiência de perceber a profissão bastante diferente do que realmente é no Brasil. Senti também uma desvalorização da profissão e do profissional.
Gostaria de saber como anda a profissão em outros países, se vale à pena uma vez que no Brasil também não está fácil.

Luiza disse...

Muito interessante! Só não entendi porque os internautas estão ainda a viver em Portugal .Sim ! Porque Sr esta assim tão ruim...pergunto: O que vcs ainda estão a fazer ai? .Sr fosdr como vcs dizem...não estaria essa imigração em massa pars Portugal. Já estiver em PT .Por 2 vezes a turismo .Viajei de Norte avSul do país ...inclusive para o interior do norte português .Pude constatar que muito bom se viver la.O custo de vida acessível. ..e sem falar na segurança saúde e educaçao .Caros leitores ..não enterrem seus sonhos. .pois menor que eles não podemos ser.Pensem nisso ...