sábado, julho 07, 2012

Sobre a (des)importância da Educação Física no ensino secundário

Recentemente, dada a intenção governamental de que a nota da disciplina de Educação Física deixe de ser contabilizada para a média de entrada para a Universidade, têm sido tecidos diversos discursos acerca da importância da “matéria” em questão – desde a quase total irrelevância à quase endeusificação que, de qualquer modo, atravessa paralelamente as diversas “indústrias do corpo” –, muitas vezes desprovidos de uma ligação franca e coesa à realidade.
De algum modo, o meu papel enquanto estudante do ensino básico e secundário contraria o meu papel enquanto praticante de atividade física e a minha profissão de fisioterapeuta, pois que, revendo o passado, não posso deixar de lembrar o quase “inferno” que as aulas de Educação Física sempre representaram para mim, dado que um certo “mau-jeito” para as coisas do físico sempre serviu de mote ao agravamento de um “bullying” do qual fui vítima ininterrupta durante muitos anos.
Não representou, todavia, tal experiência um abandono da prática física, antes me apaixonei por esse tipo de atividade, ao ponto de ter influenciado a escolha do meu curso de Fisioterapia. Curso e profissão que valoriza, logicamente, as atividades ligadas à motricidade e ao treino, mas somente num tipo de representação maioritária e académica, pois que, nos últimos anos, após estudos realizados no domínio de um paradigma fisioterapêutico muito específico, nomeadamente o modelo da “Reeducação Postural”, me tornei novamente adversário de um vasto leque de atividades físicas (mas não da totalidade das mesmas) e um representante da necessidade de uma “revolução epistemológica” no domínio da Educação Física e da Fisioterapia.
A temática possui certos cambiantes complexos que não importa discutir agora, até porque, acerca da fraqueza do “fitness” enquanto “nova medicina” já terei escrito há vários anos (em textos que são, agora, feitos renascer no meu recentemente publicado «Corpo e pós-modernidade»), mas releva afirmar que, segundo o modelo “clínico”, e se tivermos em conta as leis biomecânicas pelas quais se rege o corpo e a postura, a esmagadora maioria das atividades físicas – principalmente aquelas que fazem uso da força e da resistência musculares – não possui real valor para a saúde. O que não implica que todas as práticas sejam igualmente más, até porque não cesso de valorizar as atividades físicas holísticas e de baixo impacto (principalmente aquelas que fazem uso do alongamento e do relaxamento psicossomático) e as atividades de domínio cardiovascular, das quais eu próprio sou acérrimo praticante.
Não retiro, portanto, importância à atividade física, afirmo, sim, que o tipo de atividade que é praticado regularmente, incluindo as aulas de Educação Física, possui, de facto, pouca relevância no sentido clínico da questão. Bem sabemos que as aulas de Educação Física estão veiculadas flagrantemente para a prática de desportos, o que, não deixando de possuir certas vantagens no respeitante às competências relacionais e “psicomotrizes”, ainda assim representa um conjunto de esforços particularmente improfícuos, até porque muitas destas práticas não são explicadas, adequadas à realidade diária e “práxica”, contextualizadas numa cultura de higiene corporal e de prevenção da doença; em última análise, a Educação Física tende a ser encarada como uma forma de “alienação” do currículo escolar, fonte de desadaptação e até sofrimento para os alunos mais “mentalmente meritórios” e de afirmação dos alunos que muitas vezes só na Educação Física conseguem ter algum tipo de mérito. Com a prática e manutenção deste tipo de modelo de Educação Física, e para desconforto de certos lóbis de académicos que sempre tendem a defender-se com linhas de estudos cuja fragilidade metodológica é gritante, estou de facto a favor da nova atitude governamental.
Por outro lado, tudo poderia ser diferente, e aí faria sentido que a nota de Educação Física tivesse um maior pendor valorativo, se houvesse uma franca revolução no modelo de prática das aulas, com vista a adaptar a lógica da atividade física a uma metodologia mais ligada à Saúde e menos à “performance”, incluindo o ensino de práticas de higiene do corpo e até de princípios básicos da medicina e da fisiologia (gerais e do exercício) e da adequada complexificação e relativização dos efeitos do exercício (com evitamento de “lugares-comuns” que obstam à inteligência dos estudantes), e o esforço por sensibilizar os alunos para a importância da continuação da prática física (incluindo a possibilidade de criar mecanismos que permitam a atividade física fora – e para além – da escola e até o prolongamento dessa atividade pelo máximo período de tempo) e da adequação desta à prática das atividades da vida diária, sempre complexificadas pela vivência de um pouco sadio e ativo envelhecimento.
Requerem-se novas metodologias (com estas a reclamarem uma reflexão e uma mudança no seio dos conteúdos da própria realidade académica que lança as bases para a formação dos profissionais da motricidade), a gestão de uma relação diferenciada entre os colegas, a prevenção do “bullying” e do preconceito, a ênfase no modelo de aulas “teórico-práticas” e, sobretudo, o desfazer progressivo de uma imagem da prática física conluiada com o exercício “militar”, estúpido e alienado da vida “real”; este tipo de exercício, ainda existente no formato de professores que se comportam como “sargentos da tropa”, tem de desaparecer, pois que, ao invés de encorajar a prática da atividade física, antes contribui para a visão (ainda muito) negativa do exercício, a qual, ao contrário do que muitas vezes é afirmado, ainda é a regra da grande parte da “confortável” população portuguesa (excetuando, talvez, as novas gerações que, de qualquer modo, realizam atividade física mais por imposições de “bem parecer” e/ou de “bem-estar” e/ou “bem trabalhar”/”bem produzir” do que propriamente por terem tido uma grande experiência de encorajamento no ensino secundário). Reformule-se a Educação Física e aí talvez a disciplina passe a ser mais valorizada e acreditada.

Publicado no site do 'Expresso'